Preso há mais de três anos, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) disse na tarde desta segunda-feira, 3, ao juiz Marcelo Bretas, que o também ex-governador e correligionário Luiz Fernando Pezão o ajudou a montar todo o esquema de propina que funcionou durante seu governo (2007-2014). Pezão foi vice-governador e secretário de Obras de Cabral, a quem sucedeu no Palácio Guanabara de 2014 a 2018.
"Confirmo que o vice-governador e governador Luiz Fernando Pezão participou da estruturação dos benefícios indevidos desde o primeiro instante do nosso governo, desde a campanha eleitoral e durante os oito anos em que fui governador. E, posteriormente (governo Pezão), tenho algumas informações a respeito", afirmou Cabral na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, onde correm os processos da Lava Jato fluminense.
Ele endossou o que delatou, em janeiro deste ano, o ex-operador e hoje colaborador das investigações Sérgio de Castro Oliveira, o Serjão, que disse que Pezão recebia uma mesada de R$ 150 mil durante o governo Cabral. E, ao explicar a suposta participação do ex-aliado na estruturação do esquema, alegou que a propina paga por fornecedoras em governos anteriores era ainda maior.
"Os fornecedores falavam em 10%, 15% (nos governos anteriores). Eram pagos pelas fornecedoras aos governos anteriores. Eu estabeleci junto com o Pezão um porcentual de 5%: eram 3% para o meu núcleo, 1% para o dele, que era a Secretaria de Obras, e 1% para o Tribunal de Contas para a aprovação das licitações", disse Cabral, cujas penas já somam 267 anos de prisão.
Além dos R$ 150 mil por mês, Pezão também receberia, segundo o ex-aliado, alguns bônus – que normalmente eram entregues no final do ano -, além da chamada "taxa de oxigênio", porcentual de 1% cobrado em cima de obras da Secretaria de Obras.
Outro suposto benefício indevido seriam pagamentos da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), que pagaria um valor mensal de R$ 500 mil. Os empresários do ramo de transportes também teriam dado propina de R$ 30 milhões para a campanha dele em 2014. O próprio Cabral, mesmo já fora do cargo, recebeu R$ 8 milhões naquela eleição para ajudar candidatos a deputado de sua preferência.
"O Pezão tinha um estilo de vida muito simples, então passava a impressão de que esses benefícios não ocorriam. Mas eu sabia que ocorriam, e até a forma como ele fazia uso desses benefícios", cutucou Cabral.
Pezão também prestará depoimento a Bretas nesta tarde.
Os depoimentos ocorrem no âmbito da Operação Boca do Lobo, a mesma que levou à prisão de Pezão. Ele estava em prisão preventiva desde novembro de 2018, quando foi detido em pleno Palácio Guanabara, a pouco mais de um mês de completar o mandato.
Em dezembro, por entender que o ex-governador não representava mais uma ameaça às apurações – que era o argumento da preventiva -, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltá-lo. Ele cumpre, agora, medidas cautelares: não pode, por exemplo, deixar o Estado ou ocupar cargos públicos. Também é obrigado a usar tornozeleira eletrônica.
Pouco antes de ser preso, Pezão disse em entrevista ao Estadão que tinha vontade de "dar um abraço" no amigo Cabral na cadeia.
<b>Tribunal de Contas </b>
Perto do fim do depoimento, Cabral pediu permissão para explicar como funcionava a relação do governo com o Tribunal de Contas.
"O Rio de Janeiro tem uma característica que eu herdei. Que eu até resisti, mas que o Pezão disse que era melhor assim porque evitava qualquer tipo de problema", apontou. "Entregava-se ao TCE, o que não é hábito no governo federal, o edital de licitação. Vamos construir um prédio: entregava-se ao TCE a licitação, aí o TCE olhava e aprovava, e nessa hora já se cobrava o pedágio do TCE. Esse era o mecanismo do Tribunal de Contas, que nós herdamos e mantivemos."
Em diversos momentos do interrogatório o ex-governador buscou dizer que muitas das práticas ilícitas de sua gestão foram herdadas dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, adversários políticos de Cabral.