O Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade) começou nesta tarde de quarta-feira, 22, a julgar processo em que a Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape) acusa as montadoras Fiat, Ford e Volkswagen de conduta anticompetitiva. A reclamação é que as montadoras impedem fabricantes independentes de produzirem peças externas para reposição, como para-choques, lataria, faróis e retrovisores.
As montadoras alegam que as chamadas peças aparentes estão sob registro de propriedade industrial por terem design diferenciado para cada modelo, mas as fabricantes independentes afirmam que o registro só vale para os artigos utilizados na fabricação, não para os produtos de reposição. No processo, que se arrasta há dez anos no Cade, tanto o Ministério Público Federal quanto a Superintendência-Geral do conselho deram pareceres pedindo a condenação das três montadoras.
No início do julgamento, o advogado da Anfape, Leonardo Ribas, disse que o mercado de peças de reposição já existe antes mesmo de muitas montadoras se instalarem no Brasil. “A luta não é exatamente pela condenação das montadoras, é para que a gente continue existindo. Essas três montadoras têm uma representação de mercado que, sem elas, não conseguimos sobreviver”, afirmou.
Ribas alegou ainda que, diante da ausência de concorrência, as próprias montadoras aumentarão seus preços, o que terá efeitos como o aumento no preço de seguros de automóveis.
O advogado da Ford, Ricardo de Sousa, disse que não existe limitação na lei de propriedade intelectual de aplicar o registro às peças de reposição, e que há, inclusive, obrigações legais de que as montadoras estejam nesses mercados. “A Ford está há dez anos tentando entender qual o fato infrativo do qual ela é acusada”, afirmou.
O defensor da Fiat, Lauro Celidonio Neto, reforçou que exercer o direito de propriedade industrial não é um ilícito e acrescentou que a discussão sobre o que é propriedade intelectual não é de competência do Cade, mas do Judiciário.
Já o advogado da Volkswagen, José Del Chiaro, disse que 97% das peças de um automóvel não estão sob proteção de propriedade intelectual e refutou o argumento de que faltam peças aparentes originais para a reposição. “As montadoras continuam abastecendo os mercados por dez, vinte anos”, garantiu.
Histórico
Nos últimos anos, montadoras e fabricantes de autopeças travaram uma batalha na Justiça, com as primeiras conseguindo decisões impedindo as fabricantes de produzirem as peças, sob pena de multas pesadas que chegam a R$ 10 milhões. As montadoras alegam ter exclusividade na produção das peças de design, já que investiram na criação dos itens, que estão protegidos por registro de propriedade industrial que vale 25 anos.
Já as fabricantes de autopeças afirmam que a exclusividade só vale para os itens usados na fabricação dos automóveis, e que manter o argumento de propriedade industrial no mercado de peças de reposição, na prática, garante às montadoras o monopólio da produção desses itens.
Em seu parecer, o Ministério Público viu abuso na ação das montadoras. “Os proprietários de automóveis, uma vez adquirido o veículo, terão apenas uma opção de fornecedor de peças de reposição, sendo obrigados a se submeter às opções, preços e condições impostas pelas montadoras. O consumidor fica aprisionado à montadora fabricante de seu veículo, sujeitando-se às consequências do exercício de um poder econômico potencialmente abusivo”, afirma o parecer do procurador Márcio Barra Lima.
A Superintendência-Geral do Cade teve entendimento semelhante e também pediu a condenação das montadoras em junho do ano passado.
A mesma discussão sobre os limites da propriedade industrial das montadoras no mercado secundário dessas peças ocorre em vários países no mundo, entre eles Estados Unidos e os da União Europeia e a decisão do conselho seria uma das primeiras de autoridades antitruste sobre o tema.
Nos Estados Unidos, ainda não há uma decisão final e cortes estaduais entendem de maneira diferente. Na União Europeia, montadoras independentes são proibidas de fabricar peças de design na França, mas não em outros países, e os integrantes do grupo aguardam uma decisão final do parlamento europeu.