Café: não poderia haver título mais enxuto para um filme que se propõe discutir, em três episódios e em três lugares do mundo, o mal-estar contemporâneo. São três histórias que se entrelaçam em torno da cafeína nossa de todos os dias. Na Bélgica, a loja de penhores do imigrante Hamed (Hichem Yacoubi) é destruída e roubada durante uma manifestação de rua.
Ele sente, em especial, o desaparecimento de uma cafeteira de prata que está na família há gerações, e resolve tomar providências próprias.
Na Itália, Renzo (Dario Aita) é um barista apaixonado pelo café artesanal e por sua mulher, mas decide tomar outro caminho na vida para ganhar mais dinheiro e em menos tempo.
Por fim, na ultracapitalista China contemporânea, um gerente de corporação, Ren Fei (Fangsheng Lu), é designado pelo patrão e futuro sogro para resolver problemas em uma das indústrias do grupo. Acontece que a tal fábrica fica na terra natal de Fei, uma tradicional região cafeicultora.
Dirigido pelo italiano Cristiano Bortone, Café é um filme de boa qualidade. As três histórias são interessantes e não caem na armadilha do bom-mocismo insosso que às vezes enfraquece esse tipo de projeto global. Enfrenta com brio algumas das contradições colocadas pela sua própria ficção. Por exemplo, não cai no clichê de que todos imigrantes são vítimas boazinhas espezinhadas pelos maus.
Dito isso, é preciso também reconhecer que a radicalidade passa longe de suas intenções. Por mais que invista em alguns aspectos obscuros da tal “natureza humana”, Bortone mantém como alvo a redenção. Há, nesse tipo de projeto, a premissa jamais enunciada de que a convivência humana entre diferentes resume-se, no fundo, a mera questão de boa vontade.
Café é um filme gostoso, mas tem o cuidado de evitar os sabores mais ásperos da bebida que usa como fio de costura entre suas tramas diversas.
Café / Caffè
(Bélgica-China-Itália/2016, 110 min.) Dir. Cristiano Bortone. Com Hichem Yacoubi, Dario Aita, Fangsheng Lu.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.