Há consenso entre críticos de que o melhor cinema brasileiro de autor se faz no Recife. Por polêmica que seja a afirmação (diretores de outras regiões talvez não estejam de acordo com ela), fato é que alguns dos mais significativos títulos do cinema nacional contemporâneo têm surgido por lá. Seja como for, uma boa pedida para se tirar a prova é a caixa Antologia do Cinema Pernambucano, com nada menos de 20 DVDs, somando 212 filmes entre curtas, médias e longas-metragens, dos anos 1920 até hoje. Um painel de largo espectro, que abrange da fase silenciosa à produção contemporânea.
Cabe lembrar que já no Ciclo do Recife, Pernambuco marca presença importante na história do cinema brasileiro. Dois longas-metragens desta fase, os únicos da coletânea, estão presentes na antologia – Aitaré da Praia (Gentil Roiz, 1925) e A Filha do Advogado (Jota Soares, 1926). Mas a massa maior de obras se concentra em período mais próximo, em especial dos anos 1970 para cá. E, sobretudo, dos anos 1990 em diante, quando o cinema pernambucano imprime sua marca muito particular ao processo de retomada do cinema brasileiro, após o fim do sucateamento imposto durante o governo Collor.
No entanto, a apresentação dos filmes não segue a cronologia tradicional. O curador Rodrigo Almeida, em artigo no folheto que acompanha a coletânea, diz que optou por separar em três blocos principais o extenso material de pesquisa de que dispunha. “…Deixei de lado a tradicional classificação em ciclos cronológicos para apostar em tendências transversais, criando pontes entre produções de épocas distintas”. Os blocos são: 1)Cinema/Transcinema, 2) Câmera/Cidade e 3) Árido Movies. Acomodou no primeiro grupo filmes que discutem ou refletem sobre o próprio cinema, obras experimentais ou que se debatem em torno da linguagem cinematográfica; no segundo, produções que colocam os fluxos da urbe como personagens de suas narrativas; por fim, no terceiro, aqueles que mesclam cosmopolitismo e cultura popular.
Através dessa proposta transtemporal, consegue-se escalar no mesmo time um integrante do período clássico como o já citado Aitaré da Praia e o etnográfico A Cabra na Região Semiárida, de Rucker Vieira (1962), somados a debates fílmicos contemporâneos como O Homem da Mata (2004), de Antonio Carrilho, e Acercadacana (2012), de Felipe Peres Calheiros.
Esse tipo de recorte não é neutro e nem casual. Ao retirar os filmes de sua cronologia estrita, evita-se dispô-lo em catálogos burocráticos e estanques, cujo eixo seria a data de produção, preferindo-se vê-los em contexto mais amplo e de longa duração. No caso, o sentido maior a destacar seria a permanência, ainda que sob novas condições, de estruturas sociais semelhantes, refratadas nas obras. E também evidenciar os “sintomas” de criatividade que viriam redundar na força contemporânea do cinema de Pernambuco, e aparecem já no Ciclo do Recife, ainda no período silencioso, para reviverem na época do super-8 dos anos 1970 e, por fim, vestirem roupagem atual após a Retomada.
Uma soma de influências heterodoxas provavelmente está na base desse cinema autoral de sucesso e deve-se à fertilidade da cultura de Pernambuco. Vale seguir, por exemplo, a meditação em cima da tradição trazida por Maracatu, Maracatus, de Marcelo Gomes, ou a glosa de um personagem como Orson Welles em sua rápida (e agitadíssima) estada no Recife nos anos 1940.