A Caixa concedeu empréstimos a Estados e municípios recebendo receitas tributárias como garantia, o que é proibido pela Constituição. Foi a descoberta dessas operações que levou o Conselho de Administração do banco a suspender, na semana passada, a concessão de todos os financiamentos, sem a garantia da União, a prefeitos e governadores.
O artigo 167 da Constituição veda a vinculação de receitas futuras com impostos (como IPTU, por exemplo) a financiamentos bancários. O mesmo vale para os fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM) – que são transferências feitas pela União ao dividir a arrecadação de impostos federais com os demais entes federativos.
A única exceção é quando o empréstimo tem aval do Tesouro Nacional. Nesse caso, municípios e Estados podem colocar as receitas tributárias ou com os fundos de participação como “contragarantia” – ou seja, se o empréstimo não for honrado, a União paga ao banco, mas fica com as receitas tributárias.
Por isso, o conselho da Caixa suspendeu apenas as operações que não tinham esse respaldo. O colegiado, presidido pela secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, pediu um relatório de todas as operações e depois decidiu suspendê-las temporariamente. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a Caixa fez uma interpretação “elástica” e “incorreta” do artigo da Constituição, como se o banco fosse a própria União.
Recentemente, a Caixa informou que, em 2017, emprestou R$ 3,4 bilhões para prefeitos e governadores, a maior parte sem aval da União. Para os municípios, foram liberados créditos de R$ 1,3 bilhão sem garantias federais. Aos Estados, a Caixa informou que concedeu R$ 2,12 bilhões para Piauí, Pernambuco, Pará e Goiás e que duas dessas operações não tinham aval do Tesouro – mas não informou quais eram.
Investigação. A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) considera que é preciso abrir o mais rápido possível uma auditoria para apurar as operações da Caixa, agravadas com a descoberta dos empréstimos com garantias irregulares. Mas a investigação depende de autorização oficial dos ministros do Tribunal ou de uma representação do Ministério Público (MP).
Procurada, a Caixa informou que “está reavaliando o tema e deverá encaminhar em breve parecer ao conselho de administração para decisão quanto à revisão dos procedimentos, caso necessário”.
O Banco Central, órgão regulador do sistema financeiro, disse que não é sua atribuição apurar e que não se manifesta sobre instituições específicas. Embora o assunto se refira à solvência do sistema financeiro – por se tratar de empréstimos bancários lastreados em garantias legalmente frágeis – o BC se limitou a dizer que o tema “era orçamentário e que, portanto não se enquadra nas suas atribuições legais”.
Crise. A suspensão dos financiamentos provocou uma crise no governo. Aliados políticos criticaram a decisão, ameaçando boicotar a votação da reforma da Previdência.
Apesar disso, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defendeu a suspensão. Na terça-feira, em Goiânia, em resposta a um questionamento sobre se a decisão poderia causar algum dano à votação no Congresso, declarou: “Espero que não. O que se fez nesse caso foi simplesmente seguir a lei. A jurisprudência é que decidiu que o tipo de garantia que estava se considerando pelas administrações anteriores para os municípios não deveria valer como garantia para a Caixa. É uma questão jurídica pura e simples.”
Nesta quarta-feira, 31, em São Paulo, o ministro voltou ao assunto: “A Caixa está cada vez mais seguindo a lei”, disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.