Estadão

Candidatos de Macron e da esquerda trocam apoios em estratégia para derrotar a direita radical

Com o prazo para a definição de candidatura se fechando, partidos de esquerda e centro correm para formar um bloco contra a direita radical e evitar que o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen e Jordan Bardella leve a maioria nas eleições legislativas. Para evitar uma fragmentação dos votos, candidatos têm desistido de suas disputas no segundo turno que ocorre neste domingo, 7.

Os partidos tem até as 18h locais (13h de Brasília) pra definir seus candidatos que se manterão na disputa pelas 577 cadeiras do Parlamento. Segundo levantamento do jornal francês <i>Le Monde</i>, mais de 200 candidatos já desistiram de concorrer até a manhã desta terça-feira, 2.

O sistema de votação francês não é proporcional ao apoio nacional a um partido. Os legisladores são eleitos por distrito, o que na prática quer dizer que há centenas de eleições distintas acontecendo ao mesmo tempo.

A eleição do último domingo deu uma clara vitória ao Reagrupamento Nacional que deve ter o maior número de assentos, mas não necessariamente a maioria absoluta de 289. Le Pen já avisou que não irá nomear o primeiro-ministro sem uma maioria absoluta. A coalizão Nova Frente Popular, que inclui forças de centro-esquerda, verdes e de esquerda radical, ficou em segunda posição, à frente da aliança centrista do presidente Emmanuel Macron.

Os candidatos que receberam mais de 50% dos votos no primeiro turno já foram automaticamente eleitos. Mas a maioria, que ficou abaixo disso, vai agora para uma segunda rodada.

Pela regra, os dois candidatos mais votados em cada distrito eleitoral já se qualificam para o segundo turno. Mas outros candidatos que receberam mais de 12,5% dos eleitores registrados também podem disputar a segunda fase, o que na prática permite que um distrito tenha três ou até quatro candidatos concorrendo a uma mesma cadeira.

<b> Frente republicana </b>

De acordo com o <b>Le Monde</b>, as disputas tripartites foram raras nas eleições legislativas de 2022, com apenas oito casos. Já neste ano, em que há três grandes blocos em disputa e uma alta participação eleitoral, há 306 distritos com três candidatos qualificados e cinco com quatro.

Na intenção de impedir o avanço da direita radical, candidatos que ficaram em terceiro ou quarto lugar e se qualificaram para o segundo turno estão desistindo de suas candidaturas em nome do que se está chamando de "frente republicana".

Até cerca de 13h locais (9h de Brasília), 75 candidatos da coalizão de Macron haviam desistido da disputa e mais 127 da coalizão de esquerda. Da direita radical, apenas 3 desistiram. Com isso, o número de distrito com disputa tripla caiu de 306 para 140 e os duelos passaram de 190 para 357. É possível que até as 18h (13h de Brasília) mais candidatos se retirem.

"A disputa não acabou", disse a prefeita socialista de Paris, Anne Hidalgo, à <i>France 2</i>. "Devemos mobilizar todas as nossas forças."

"Temos um objetivo hoje que é negar uma maioria absoluta ao Reagrupamento Nacional", disse François Ruffin do partido França Insubmissa de esquerda radical que faz parte da nova aliança da Frente Nacional junto com verdes franceses, socialistas e comunistas.

Antes dessa reconfiguração de nomes, se estimava que o Reagrupamento Nacional poderia ganhar entre 240 e 310 no próximo turno. A aliança Nova Frente Popular poderia conseguir entre 150 e 200 assentos, enquanto o partido Renascença de Macron e seus aliados poderiam levar entre 70 e 120. As desistências, porém, jogam um novo grau de incerteza no pleito.

Segundo a agência <i>Reuters</i>, houve confusão no começo sobre se os aliados de Macron desistiriam de disputas locais em favor de candidatos do partido radical de esquerda França Indomável, de Jean-Luc Mélenchon.

Na segunda-feira, porém, Macron teria dito em uma reunião a portas fechados de ministro do Palácio do Eliseu que sua prioridade era impedir do Reagrupamento Nacional de chegar ao poder, abrindo caminho para os apoios à esquerda, ainda de acordo com a <i>Reuters</i>.

A tática já funcionou no passado, quando o partido de Le Pen e seu predecessor, a Frente Nacional, eram considerados um pária político por muitos. Em 2002, eleitores de diversos espectros políticos se uniram a Jacques Chirac para derrotar o pai de Le Pen, Jean-Marie Le Pen, em uma disputa presidencial.

Mas agora, o Reagrupamento Nacional tem um apoio amplo e profundo em todo o país sob o nome de Jordan Bardella, um nome mais palatável que de Marine Le Pen.

<b>Maioria</b>

Jogando um novo grau de incerteza nessas eleições, o presidente do Reagrupamento Nacional assumirá o comando do governo apenas se o partido ganhar a maioria absoluta no segundo turno, disse Marine Le Pen, nesta terça.

"Não podemos aceitar entrar no governo se não pudermos agir", disse em uma entrevista com a emissora pública <i>France Inter</i>. "Seria a pior traição aos nossos eleitores."

Jordan Bardella deve ser o nome apontado como primeiro-ministro caso o Reagrupamento Nacional de fato leve a maioria. Em lado oposto ao de Macron, ele e o presidente governariam em um formato chamado de "coabitação", que na prática enfraquece os poderes do presidente, que fica mais limitado a questões de política externa e algumas de defesa.

Macron tem um mandato presidencial até 2027 e disse que não renunciaria antes do final de seu mandato. Mas um presidente francês enfraquecido poderia complicar muitas questões no cenário mundial.

O presidente francês dissolveu a Assembleia Nacional e convocou a eleição repentina em 9 de junho, após uma derrota humilhante para o Reagrupamento Nacional nas votações francesas para o Parlamento Europeu. O presidente profundamente impopular e enfraquecido apostou que a extrema direita não repetiria esse sucesso quando o próprio destino do país estivesse em jogo.

Mas o plano de Macron saiu pela culatra. Agora, até membros de seu próprio campo o acusam de ter aberto uma porta para o Reagrupamento Nacional ao chamar os eleitores de volta às urnas, especialmente quando tantos estão irritados com a inflação, o custo de vida, a imigração e com o próprio Macron.

A direita radical explorou a frustração dos eleitores com a inflação e os baixos salários e a sensação de que muitas famílias francesas estão sendo deixadas para trás pela globalização. O partido de Le Pen fez campanha com uma plataforma que prometia aumentar o poder de compra do consumidor, cortar a imigração e adotar uma linha mais dura com as regras da União Europeia.

Os adversários do Reagrupamento Nacional temem pelos direitos civis se o partido, que tem um histórico de racismo, xenofobia, antissemitismo e hostilidade aos muçulmanos da França, assumir o poder. Ele planeja aumentar os poderes da polícia e restringir os direitos de cidadãos franceses com dupla nacionalidade de trabalhar em alguns empregos de defesa, segurança e indústria nuclear. Com informações da Associated Press.

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