As prévias democratas de Iowa, pontapé inicial para a escolha do candidato à Casa Branca, tornaram-se um pesadelo para o partido e colocaram em dúvida o sistema eleitoral americano como um todo. Três dias após a votação, a apuração de 170 mil votos não terminou. Segundo análise de ontem publicada pelo New York Times, mais de 100 distritos relataram resultados inconsistentes ou discrepâncias entre número de votos e delegados eleitos.
Ontem, Tom Perez, o presidente do Comitê Nacional Democrata (DNC), perdeu a paciência e pediu a revisão dos resultados da votação em Iowa. "Basta. Para garantir a confiança das pessoas nos resultados, peço ao Partido Democrata de Iowa para começar imediatamente uma revisão", disse.
Segundo dirigentes nacionais do partido, a revisão não seria uma recontagem completa, mas um pente-fino nas atas das seções, formulários e resultados tabulados à mão. Já o diretório estadual de Iowa respondeu, dizendo que está preparado para o trabalho, mas apenas caso algum candidato solicite a revisão.
As prévias de Iowa não foram vítimas de hackers ou qualquer tipo de fraude intencional. O problema central foi no aplicativo usado para transmitir os dados. O software, que não havia sido testado de maneira adequada, gravava os resultados corretamente, mas transmitia números diferentes para a central do partido – segundo funcionários, em razão de um "erro de programação".
A Veracode, empresa de segurança de Massachusetts, divulgou ontem o resultado de uma análise do aplicativo a pedido do site de jornalismo investigativo ProPublica. A conclusão foi que o software não tinha mecanismos básicos de proteção de transmissão, o que permite que os dados sejam interceptados e até alterados.
O naufrágio dos democratas de Iowa levou o professor Zeynep Tufekci, especializado em tecnologia digital, da Universidade da Carolina do Norte, a escrever um artigo na revista The Atlantic intitulado "Quem precisa dos russos?".
Scott Rosenberg, editor de tecnologia do site Axios, também criticou o desastre tecnológico de Iowa no momento em que os EUA lutam para passar uma imagem de estabilidade e confiança no sistema eleitoral, que vem sendo questionado desde 2016, quando os russos invadiram servidores do Partido Democrata e montaram uma rede de perfis falsos para influenciar o resultado da eleição.
Para complicar ainda mais, os americanos não têm um órgão eleitoral centralizado, como o TSE no Brasil. Nos EUA, são mais de 3 mil condados, cada um utilizando um sistema diferente e reportando os resultados para 50 órgãos estaduais que trabalham também de maneira independente.
Alguns especialistas, como David Becker, diretor do Centro de Pesquisa e Inovação Eleitoral, veem nisso uma vantagem. "O fato de serem milhares de eleições nos dá certa proteção contra ciberataques, porque é muito difícil hackear 8 mil sistemas diferentes", disse.
Outros, no entanto, enxergam na descentralização um problema. Bruce Schneier, da Harvard Kennedy School, afirma que os órgãos locais estão menos aparelhados para enfrentar ameaças externas. "Rússia contra Louisiana não é uma briga justa", disse.
"Nos EUA, existem muitos tipos diferentes de urnas, cédulas e máquinas empregadas em cada um dos Estados. E não há um esforço nacional conjunto para remediar essas questões", disse o analista Colton Carpenter, na Harvard Political Review. "Isso significa que, em vez de termos 50 Estados trabalhando juntos para criar uma eleição nacional segura, os EUA têm 50 Estados trabalhando separadamente para criar 50 eleições seguras. Se um Estado falha, as eleições estão comprometidas." (Com agências internacionais)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>