Cannes acolhe nesta terça-feira, 14, Jim Jarmusch, na abertura da 72ª edição do mais famoso festival de cinema do mundo. Nos últimos anos, a Croisette, como evento planetário, tem sofrido a pressão da indústria – leia-se Hollywood -, que gostaria que o festival mudasse de data. No segundo semestre, Veneza, que chega a coincidir durante alguns dias com Toronto, e o evento canadense viram vitrines do Oscar. Cannes, em maio – como Berlim, em fevereiro -, ainda é muito distante para antecipar tendências que vão dominar a Academia de Hollywood no ano seguinte, exceto na categoria de filme estrangeiro. Tradicionalmente, a seleção de filmes em língua estrangeira é dominada pelas obras que ganharam o mundo através de Cannes.
Luz, câmera, ação! O espetáculo vai começar. Jim Jarmusch, um habitué, dá a largada. Dead Men Dont Die, Mortos Não Morrem. Na quarta, 15, o Brasil pisa no tapete vermelho. Kleber Mendonça Filho e sua equipe, incluindo Sonia Braga, Udo Kier e Maeve Jinkins, vão mostrar Bacurau. Kleber codirige com Juliano Dornelles a história que, de alguma forma, parece dar continuidade a Aquarius, com o qual o autor já brilhou na Croisette há três anos. Com a morte de sua mais velha habitante, os moradores de uma cidadezinha do sertão descobrem que não estão mais no mapa. Segundo os diretores, trata-se de um faroeste com ecos de ficção científica, ambientado num futuro próximo, mas com os problemas do Brasil de antigamente. Outro brasileiro de volta a Cannes será Karim Aïnouz, que também integra a seleção oficial com A Vida Invisível de Euridíce Gusmão. O filme – livremente adaptado do livro de Martha Batalha – é interpretado por Carol Duarte, Júlia Stockler e Fernanda Montenegro. Passa na segunda, 20, na mostra Un Certain Regard, a mesma em que Aïnouz apresentou Madame Satã em 2002.
Mais dois brasileiros estarão no festival – Sem Seu Sangue, de Alice Furtado, sobre garota desinteressada da vida que descobre o amor num jovem hemofílico, na Quinzena dos Realizadores, e Indianara, de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa, sobre a luta da transexual Indianara Siqueira em defesa dos direitos das pessoas LGBTQ. O Brasil ainda se faz representar como um dos produtores de O Traidor, do italiano Marco Bellocchio, na competição; Port Authority, de Danielle Lessowitz, em Um Certo Olhar; e The Lighthouse, de Robert Eggers, na Quinzena. O primeiro é coproduzido pelos irmãos Caio e Fabiano Gullane, e foi filmado em São Paulo. O segundo e o terceiro têm a chancela de Rodrigo Teixeira, que também produz o filme de Karim Aïnouz. Teixeira vê nessa overdose brasileira em Cannes um sinal de criatividade, “que fica mais aguçada em tempos de crise”.
É sinal dos tempos que Cannes tenha escolhido um filme de gênero para a abertura deste ano. Mortos Não Morrem conta a história de um repórter de TV assassinado pelos poderosos que investiga para uma matéria. Ele ressuscita graças à intervenção de uma sacerdotisa de vodu e provoca a maior confusão – entre colegas e criminosos – ao aparecer no ar. Jarmusch, só para lembrar, já mostrou em Cannes, em 2013, Amantes Eternos, sobre vampiros. Jarmusch nesta terça, Kleber Mendonça na quarta. O festival encerra-se no sábado, 25, com a atribuição da Palma de Ouro. A mostra competitiva antecipa-se das melhores dos últimos anos, com novos filmes de Pedro Almodóvar (Dor e Glória), Quentin Tarantino (Era Uma Vez em Hollywood), Xavier Dolan (Matthias e Maxime), Jean-Luc e Pierre Dardenne (O Jovem Ahmed), Ken Loach (Sorry We Missed You), Abdellatif Kechiche (Mektub My Love – Intermezzo), Elia Suleiman (It Must Be Heaven) e Terrence Malick (A Hidden Life).
Un Certain Regard também apresenta suas pérolas – Jeanne, a sequência de Jeanette, de Bruno Dumont, com a mesma atriz que interpretava Joana DArc menina, Lise Leplat Prudhomme, Chambre 212, de Christophe Honoré, e Liberté, de Albert Serra. O festival homenageia a cineasta Agnès Varda, que morreu em março, mostrando-a em seu cartaz, ainda jovem, montada nas costas do diretor de fotografia de La Pointe Courte, que ela filmou em 1954.
O festival também comemora, em Cannes Classics, os 50 anos de Sem Destino, de Dennis Hopper, e na mesma seção paga tributo a Milos Forman, com a versão restaurada de Os Amores de Uma Loira; a Luis Buñuel, com o restauro de três títulos fundamentais – LÂge dOr, Los Olvidados e Nazarín; a Lina Wertmuller, com Pasqualino Sete Belezas; e a Vittorio De Sica, que venceu o Grand Prix, quando ainda não havia a Palma de Ouro, com Milagre em Milão, de 1951. O júri deste ano é presidido por Alejandro González-Inárritu e outro mexicano, Alfonso Cuarón, vai apresentar, numa sessão da meia-noite, o cultuado Shinning/O Iluminado, de Stanley Kubrick.
NA COMPETIÇÃO
Os Mortos Não Morrem, de Jim Jarmusch (EUA), filme de abertura, uma história de zumbis com Bill Murray.
Dor e Glória, de Pedro Almodóvar (Espanha). Antonio Banderas como diretor em crise.
O Traidor, de Marco Bellocchio (Itália). Mafioso arrependido esconde-se em São Paulo. The Wild Goose Lake, de Diao Yinan (China). Líder de uma banda ama prostituta.
Parasita, de Bong Joon Ho (Coreia do Sul). Uma família no desemprego e outra, rica.
O Jovem Ahmed, de Jean-Pierre e Luc Dardenne (Bélgica). A radicalização de um adolescente.
Roubaix, Une Lumière, de Arnaud Desplechin (França). Policiais numa história real.
Atlântico, de Mati Diop (França/Senegal). Trabalhadores deixam Dacar em busca de uma vida melhor.
Matthias e Maxime, de Xavier Dolan (Canadá). Amigos de 20 anos viram amantes.
Little Joe, de Jessica Hausner (Áustria). A manipulação genética no futuro próximo.
Mektoub My Love: Intermezzo, de Abdellatif Kechiche (França). Segunda parte de Mektoub My Love: Canto Um.
Sorry We Missed You, de Ken Loach (Inglaterra). A luta de família para sobreviver.
Os Miseráveis, de Ladj Ly (França). A violência policial no subúrbio de Paris.
A Hidden Life, de Terrence Malick (EUA). A história de um opositor executado pelos nazistas.
Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Brasil). Passado e futuro no sertão, com Sonia Braga.
La Gomera, de Corneliu Porumboiu (Romênia). Policial romeno ajuda criminoso.
Frankie, de Ira Sachs (EUA), com Isabelle Huppert e Marisa Tomei. Três gerações viajam à cidade portuguesa de Sintra.
Portrait de la Jeune Fille en Feu, de Céline Sciamma (França). Pintora do século 18 é contratada para fazer o retrato de casamento de jovem.
It Must Be Heaven, relato autobiográfico do palestino Elia Suleiman.
Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino (EUA). O diretor revisita a Los Angeles de 1969 com Leo DiCaprio e Brad Pritt.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.