Estadão

Cannes premia uma diretora e discute futuro na era streaming

Jane Fonda veio a Cannes ministrar uma <i>master class</i>. Na noite de sábado, entregou a Palma de Ouro do 76.º Festival. Lembrou sua primeira vez em Cannes, em 1963. Há 50 anos! "Não havia mulheres diretoras. Este ano foram sete na competição. Estamos avançando, mas é preciso mais."

Ela entregou o troféu para a francesa Justine Triet, por seu filme <i>Anatomie d une Chute</i>. Embora tenha esquecido os grandes italianos – Marco Bellocchio, Nanni Moretti -, o júri presidido por Ruben Östlund saiu-se melhor que a encomenda. Eles premiaram o extraordinário ator de Wim Wenders em <i>Perfect Days</i>, Koji Yakusho, deram o prêmio de direção ao vietnamita Tran Anh Hung, por <i>La Passion de Dodi Boufflant</i>, o Grande Prêmio a Jonathan Glazer, por sua adaptação do livro de Martin Amis, <i>Zona de Interesse</i> – vencedor do prêmio da crítica -, e o prêmio do júri para o Aki Kaurismaki de <i>Folhas Mortas</i>.

E fizeram história premiando Justine. Uma mulher acusada de matar o marido – ele caiu ou foi empurrado na escada. <i>A Anatomia de Uma Queda</i> vira anatomia de um casamento. Talvez somente Ingmar Bergman, nas suas <i>Cenas de Um Casamento</i>, tenha alcançado essa profundidade (e grandeza estética).

<b>Discurso</b>

Foram 11 dias de descobertas, encantamento – e algumas decepções -, mas principalmente foi um período para se discutir o cinema na era do streaming, pós-pandemia.

Ocorreram debates acirrados – o cinema, como linguagem, está em vias de acabar? O que fazer para levar o público de volta às salas? Acima de tudo, foram 11 dias de apreensão. Duas vezes vencedor da Palma de Ouro, por <i>The Square – A Arte da Discórdia</i> e <i>Triângulo da Tristeza</i>, o diretor sueco Ruben Östlund não é o que se poderia chamar de 100% confiável.

Ele questiona a correção política numa perspectiva cínica. Grandes diretores como Bellocchio, Moretti, Kaurismaki e o britânico Ken Loach voltaram a Cannes com filmes que reafirmam humanidade, solidariedade. Não é um discurso fácil de se levar hoje em dia.

O festival foi inaugurado na terça, 16, com o longa <i>Jeanne du Barry</i>, dirigido e interpretado por Maïwenn, sobre a favorita do rei Luís XV, Jeanne Bécu. Não é um filme nulo, mas também carece de elementos para permanecer vivo – e forte – no imaginário dos cinéfilos.

Na entrevista coletiva na abertura do festival, o responsável pela seleção oficial, Thierry Frémaux, negou veementemente que existisse um tema a unir os filmes da competição. Disse que sua escolha não se faz por aí.

Ele fez sua seleção baseado na qualidade, e diversidade. Mas a verdade é que atravessa toda a seleção a já assinalada conversa sobre o futuro do cinema.

Em 2000, quando o festival ingressava no século 21, houve aqui um seminário para discutir as novas tecnologias. Na era do digital, o cinema iria mudar? E, se mudasse o suporte, ainda seria cinema? Naquele ano, só para lembrar, o júri presidido por Luc Besson outorgou a Palma de Ouro a <i>Dançando no Escuro</i>, do dinamarquês, ex-<i>Dogma</i>, Lars Von Trier.

Passaram-se 23 anos. Foi o tempo ou a pandemia que mudou tudo? Por segurança, o grande público desacostumou de ir ao cinema. Muitas gente só vê hoje os filmes nas plataformas.

Os blockbusters seguem atraindo multidões. O cinema autoral, que os franceses chamam de arte/ensaio, atrai muito menos.

Os mestres – Bellocchio, Kaurismaki e Moretti – vieram defender os filmes para passar nos cinemas. O próprio Bellocchio diz que há uma diferença grande entre sua obra-prima deste ano – <i>Rapito</i> – e a sua série do ano passado, <i>Noite Exterior</i>.

<b>Holocausto</b>

Houve filmes marcantes nesta seleção. Duplamente – pelo tema e pela realização. A adaptação de <i>A Zona de Interesse</i>, de Martin Amis, por Jonathan Glazer, recolocou o tema do Holocausto em evidência.

Recolocou? A solução final do nazismo é uma questão a atormentar as consciências – de quem tem. O comandante de Auschwitz leva o que se pode considerar uma vida normal na casa junto ao campo de extermínio.

Glazer leu direitinho seu Amis, mas também as considerações de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. <i>Anatomie d Une Chute</i>, de Justine Triet, provocou sensação entre os mais jovens. A escritora suspeita de haver matado o marido. O caso vai a julgamento.

Um grande senhor do cinema, o turco Nuri Bilge Ceylan, voltou com <i>Les Herbes Sèches</i>, outra investigação sobre o tempo. Um casal de professores, uma aluna.

No chapliniano – o final é uma homenagem a <i>Tempos Modernos</i> – <i>Les Feuilles Mortes</i>, Aki Kaurismaki mostra o complicado processo de aproximação de um casal. Nada mais do que isso, mas vendo o filme o público se dá conta de que já é tudo.

E o que dizer de Ken Loach? O drama dos refugiados em <i>The Old Oak</i>. O filme é uma utopia, como o de Nanni Moretti, <i>Rumo a Um Futuro Radioso</i>. Moretti conta a história de um filme dentro do filme. Celebra o comunismo com todas as bandeiras vermelhas que se possa imaginar. E Loach? A solidariedade atravessa essa história em um espaço sagrado para os ingleses, o pub.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

Posso ajudar?