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Cantor de soul, Charles Bradley volta a SP para dois shows

Charles Bradley atende o telefone celular já se desculpando pelo péssimo sinal da ligação. “Ainda estou no ônibus, mas, como não queria deixar você esperando, preferi manter o horário”, disse ele, naquela tarde de terça-feira, enquanto observava a paisagem do Brooklyn, bairro nova-iorquino onde vive atualmente. Aos 66 anos e na crista do soul e funk há cinco, Bradley mantém pequenos hábitos adquiridos ao longo do período de anonimato, como esse, usar o transporte público de Nova York. O outro, é não gostar muito de falar ao telefone. “Gostaria que estivéssemos conversando frente a frente”, diz ele, a 7,7 mil quilômetros de distância. “Para mim, isso não é uma entrevista. É uma conversa. Gosto de olhar para quem estou falando. Entender mais quem ela é, como é a sua vida, qual é a sua forma de pensar. Gosto de saber da vida das pessoas. É uma troca.”

Três anos depois de uma performance tocante durante a Virada Cultural paulistana, no palco montado na Praça da República, Bradley volta à cidade para duas apresentações na Choperia do Sesc Pompeia, com ingressos já esgotados, neste sábado, 23, e domingo, 24.

Desde aquela tarde no centro de São Paulo, ele lançou mais um disco, “Victim of Love”, novamente pelo selo que o descobriu e o tirou da sarjeta, Daptone Records (no Brasil, o trabalho saiu pela Deck). O primeiro disco “No Time for Dreaming”, de 2011, era uma explosão de raiva e dor. Bradley começava a contar a sua história tardiamente, descoberto apenas aos 62 anos, depois de chegar a morar nas ruas de Nova York, dormir em vagões do metrô e ganhar trocados com imitações de James Brown. Havia muita angústia naqueles versos cantados por uma fusão explosiva de Brown e Otis Redding. O segundo e mais recente trabalho experimenta um momento de calmaria e reflexão. A dor das feridas abertas ao longo da vida ainda está lá, garante Bradley, mas elas são cicatrizadas com o que ele chama de “força do amor”.

“É isso que eu quero espalhar para as pessoas, nos shows”, diz ele, antes de questionar se cantaria em um local fechado ou a céu aberto. “Fechado? Ótimo. Eu gosto de tentar me conectar com todas as pessoas que estão ali para assistir, me ver cantar. Podemos ficar íntimos, entende? Compartilhar esse amor. Tentar fazer vocês sentirem o amor que estou manando.”

As rugas de idade e as profundas marcas de expressão do rosto do cantor nascido na Flórida, mas desde os 8 anos morador de Nova York, escancaram o sofrimento e a vida áspera na qual Bradley precisou sobreviver para chegar ao posto de mais interessante e verdadeiro soulman da atualidade. E ele nem sequer precisa abrir a boca e cantar para mostrar isso. Quando o faz, é de rachar o coração. Dele e nosso. Ao fim das apresentações, é comum perceber que Bradley está com os olhos marejados e as bochechas empapadas de suor e lágrimas.

“Quando estou no palco, é como se uma vida nova nascesse dentro de mim. Sinto a dor quase física da qual me refiro naquelas músicas”, explica. “Jovens me agradecem porque se identificam com as minhas canções. Dizem que eu, de alguma forma, ajudei a vida deles. São coisas assim que me garantem que estou fazendo o certo.”

Com a aclamação da crítica e o contrato com uma gravadora de soul e funk, Bradley atingiu o objetivo pelo qual veio a este mundo – ouvi-lo é uma prova disso. “Para ser sincero, a minha vida ainda é agridoce. As feridas estão curadas, mas ainda estão lá. O que eu faço, ao cantar todas as noites, é tentar curá-las”, confessa, antes de se despedir. “Venha me encontrar em São Paulo. Não se esqueça.” São os velhos hábitos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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