Pelo cronograma de Carolina Caycedo, a artista ficará até este sábado, 18, visitando os estragos no Rio Doce e em Mariana, Minas Gerais, desde que a região passou pelo pior desastre ambiental brasileiro ao ser inundada e contaminada pelo rompimento, em novembro, da barragem de rejeitos da mineradora Samarco. Mas antes dessa viagem, a colombiana já conheceu os pescadores de Cananeia, no litoral paulista, e o quilombo de Ivaporunduva, no vale do Ribeira de Iguape. Mais ainda, a pesquisa de campo da participante da 32.ª Bienal de São Paulo no Brasil inclui idas às hidrelétricas de Itaipu, na Foz do Iguaçu, e de Belo Monte, na bacia do Xingu – e de todas essas andanças, ela criará suas obras para a edição do evento de arte, a ser inaugurada em setembro.
“Trato de entender uma represa como estrutura que contém um corpo de água, mas que tem a ver também com a contenção e a repressão de comunidades que convivem com esse corpo”, explica Carolina Caycedo. Colombiana, nascida em Londres e que reside entre Los Angeles, nos EUA, e La Jagua, na Colômbia, ela vem desenvolvendo há quatro anos o projeto Be Dammed, que investiga o impacto sociocultural da construção de hidrelétricas nas Américas. A artista, que realiza “videoensaios”, performances e instalações, estava interessada no caso de Belo Monte, mas seu trabalho para a mostra brasileira abraçou outras questões.
A pesca em Cananeia, por exemplo, ganhou destaque na construção de sua obra para a 32.ª Bienal. “O Ribeira é um rio que não está represado e por isso há quilombos e comunidades pesqueiras que são processos de resistência, processos autônomos de convivência com água e peixes”, afirma Carolina, que, antes de viajar, conversou com o Estado no Edifício Lutetia, propriedade da Faap no centro de São Paulo onde ficam hospedados os convidados da Bienal em residência artística no País.
“Recentemente, tenho pensando nas geocoreografias como gestos cotidianos que se repetem e que estão intimamente ligados a uma geografia, no caso, os rios”, comenta a colombiana. “Quando essa geografia desaparece porque está inundada ou contaminada, os pescadores já não podem exercer esse gesto que é um conhecimento encarnado, transmitido por gerações”, completa.
Para Carolina Caycedo, que já criou belos trabalhos sobre o Yuma – nome ancestral do rio colombiano batizado de Magdalena pelos colonizadores espanhóis, ela conta em vídeo – “a arte é a melhor ferramenta para poder entender as injustiças e participar de processos de organização e de luta”. Sua afirmação vai ao encontro do termo “artivista” criado pelo paraense Bené Fonteles, uma das figuras centrais da edição da mostra.
Jardim
O conceito de ecologia estará presente na 32.ª Bienal em diferentes “níveis”. Assim como os rios engendram as obras de Carolina Caycedo, a presença de expressivo conjunto de esculturas de Frans Krajcberg, de 95 anos – criadas com troncos carbonizados, é uma espécie de manifesto sobre “a extinção e destruição de matas e biomas, a demarcação de terras indígenas”. “A Bienal de São Paulo está preocupada com o meio ambiente e a saúde do planeta e o Krajcberg é alguém que sempre levantou a mão e deu esse grito”, diz o curador da exposição, Jochen Volz.
Ao mesmo tempo, os projetos da finlandesa Pia Lindman, da dupla Nomeda & Gediminas Urbonas, e da dinamarquesa Rikke Luther, por exemplo, têm parceria com o Instituto de Botânica de São Paulo. Entretanto, deve ser destacada a ideia de jardim – “não como metáfora, mas metodologia” – para a construção da mostra e sua expografia, assinada pelo arquiteto Alvaro Razuk.
“As exposições são normalmente concebidas a partir de uma lógica urbana, de circulação, com grandes corredores e até as áreas de descanso são as praças”, define a cocuradora Júlia Rebouças. “Na lógica das cidades, mais espaço significa mais poder; e na lógica do jardim tentamos qualificar o espaço de formas diferentes; com áreas mais abertas, áreas descampadas e áreas sombreadas, pensamos na escala do corpo.”
Nesse sentido ainda, a “permeabilidade” da 32.ª Bienal com o Ibirapuera será importante. Como conta Volz, existe a vontade de instalar dispositivos como ponto de informação, recepção e guarda-volumes na área externa do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. “Não precisa criar aquele horror do foyer, em tudo é uma grande barreira para se passar.”
Mas, mais ainda, há artistas que preparam obras para exibirem ao ar livre, no parque. O argentino Eduardo Navarro está criando “uma escultura que faz o prédio inteiro virar ouvinte da natureza”, conta Jochen Volz. Já a portuguesa Carla Filipe realiza uma horta para a Praça das Bandeiras e o trabalho da coreana Koo Jeong, em fase de aprovação, prevê a construção de uma grande pista de skate.
Outra criação envolvendo a questão da ecologia – no caso, a “agrofloresta” e a produção de alimentos orgânicos – é a do brasileiro Jorge Menna Barreto, que vai realizar o restaurante da 32.ª Bienal. “A alimentação será toda baseada em plantas, quase uma desautomatização do ato de comer”, explica Júlia Rebouças. “Acho que é um projeto que fala da ideia de Bienal como um sistema em si, que recebe entre meio milhão e um milhão de pessoas por três meses e que pode participar de uma política alimentar”, resume Volz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.