A Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês) rejeitou nesta quarta-feira a apelação da atleta sul-africana Caster Semenya contra regras que a entidade máxima do atletismo estabeleceu para reduzir os altos níveis de testosterona natural em algumas competidoras através de medicação ou cirurgia para que possam ficar aptas a competir em provas de alto nível que possuem distâncias de 400 metros até uma milha.
Um painel de três juízes do mais importante tribunal esportivo, com sede em Lausanne, na Suíça, onde o complexo caso envolvendo Semenya vem sendo analisado desde fevereiro, concluiu que as novas regras impostas pela Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) sobre competidoras com “diferenças de desenvolvimento sexual” são discriminatórias, mas devem ser aplicadas por causa do fator esportivo.
Dois dos três magistrados deste painel da CAS rejeitaram a apelação da sul-africana ao entenderem que “com base nas provas apresentadas pelas partes, essa discriminação é um meio necessário, razoável e proporcionado para alcançar o propósito da IAAF de preservar a integridade do atletismo feminino em eventos restritos”, conforme justificaram no veredicto divulgado nesta quarta. Estes dois juízes também entendem que mulheres com altos níveis de testosterona podem ter uma vantagem injusta sobre as suas adversárias com menores quantidades ou sem este hormônio no corpo.
Atual campeã do mundo da prova dos 800 metros e bicampeã olímpica da mesma prova ao faturar o ouro nos Jogos de Londres-2012 e do Rio-2016, Semenya deverá tomar medicamentos para reduzir os seus níveis de testosterona se quiser competir entre as mulheres e defender o seu título no Mundial que ocorrerá entre 28 de setembro e 6 de outubro, em Doha, no Catar.
Ao comentar a decisão da CAS por meio de um comunicado distribuído pelos seus advogados neste caso, a atleta da África do Sul deixou claro que se sente perseguida pelo órgão gestor do atletismo nos últimos dez anos. “Sei que os regulamentos da IAAF sempre visaram especificamente a mim. Durante uma década a IAAF tentou me frear, mas isso tem me fortalecido. A decisão da CAS não me impedirá (de continuar competindo). Mais uma vez vou subir e continuar a inspirar as mulheres jovens e atletas na África do Sul e em todo o mundo”, prometeu Semenya.
Logo após saber do veredicto desta quarta, a sul-africana inicialmente publicou a seguinte frase em suas redes sociais: “Às vezes é melhor reagir sem reação”. Pouco depois, por meio dos seus representantes legais, se manifestou sobre a decisão da CAS.
Nesta mesma quarta-feira em que teve a sua apelação negada na Suíça, Semenya viajaria a Doha para disputar a etapa local da Diamond League, na qual está prevista a sua presença na prova dos 800 metros na sexta.
ENTENDA O CASO – A corredora sul-africana está envolta em uma polêmica relacionada a um caso que atinge as mulheres consideradas hiperandrógenas. O hiperandrogenismo é um distúrbio endócrino comum das mulheres em idade reprodutiva caracterizada pelo excesso de andrógenos como testosterona e afeta entre 5% e 10% das pessoas do sexo feminino.
E a polêmica em torno de Semenya já dura uma década, pois no Mundial de 2009, com apenas 18 anos, ela ganhou a prova dos 800m da competição um dia depois da revelação de que teve de fazer testes de gênero ordenados pela IAAF, em parte por causa de sua musculatura.
Na época, alguns meios de comunicação australianos foram criticados por publicarem matérias em que especulavam sobre a anatomia da então adolescente e a sul-africana precisou ser submetida a novos exames médicos depois daquele Mundial. E depois de ficar quase um ano fora das pistas de atletismo, ela foi liberada pela IAAF para participar de competições femininas.
Em fevereiro passado, após o final de uma semana de audiência, a CAS inicialmente anunciou que tornaria pública a sua decisão sobre a apelação da atleta “antes de 26 de março”. Porém, o tribunal com sede em Lausanne, na Suíça, depois revelou que precisou adiar o veredicto sobre o caso “até o final de abril”, ao receber novos documentos anexados ao processo, mas então não fixou nenhuma data para que isso ocorresse. O que só aconteceu na última segunda-feira, quando confirmou que daria a sua resposta ao recurso da atleta nesta quarta.
E este veredicto foi anunciado após Semenya ter acusado o presidente da IAAF, Sebastian Coe, de abrir “velhas feridas” em entrevista a um jornal australiano, na qual o dirigente britânico apontou que ela e outras atletas com alta produção de testosterona endógena representem uma ameaça à “santidade da competição justa”.
Em um comunicado divulgado no dia 27 de março, os advogados de Semenya disseram que os comentários de Coe e a nota “distorcida” do jornal Daily Telegraph referiu-se à meio-fundista sul-africana como “cheia de músculos” e “invencível” levaram a sua cliente a lembrar o quanto foi analisada e julgada durante o seu primeiro Mundial, em 2009.
Para a IAAF, as atletas com altos níveis de testosterona têm uma vantagem injusta sobre as suas concorrentes em provas a partir dos 400 metros e até uma milha. Além dos dois ouros olímpicos, Semenya faturou o título da provas dos 800m nas edições de Berlim-2009, Daegu-2011 e Londres-2017 do Mundial de Atletismo.