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Casa de Rui Barbosa aponta desmonte sob Bolsonaro e promete revogaço de atos

Pelo menos 43 normas da última gestão da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) sob o governo Jair Bolsonaro (PL) devem ser revogadas total ou parcialmente nos próximos meses. É o que promete o novo presidente da instituição, Alexandre Santini. Entre elas, está a concessão da medalha que leva o nome do patrono da fundação à ex-presidente da Casa Letícia Dornelles, indicada para o cargo pelo deputado bolsonarista Marco Feliciano (PL-SP). Os servidores ainda falam em "desmonte" da fundação, com demissões, perseguições e cortes de verba. A morte de Rui Barbosa completa 100 anos hoje.

Letícia, que assumiu no fim de 2019, é acusada de alterar as regras da Medalha Rui Barbosa para permitir uma concessão a si mesma. Ela nega. "Alterei a portaria porque na gestão anterior tinham concedido a medalha a vigia, dono de delicatessen, contador da ex-diretora", disse ao <b>Estadão</b>. "Achei que era bagunça."

<b>Estrutura</b>

Localizada em um terreno arborizado e preservado em Botafogo, bairro da zona sul carioca, a Fundação Casa de Rui Barbosa foi a primeira casa-museu do Brasil. O imóvel foi comprado pelo governo após a morte de Rui e, em 1927, virou o Museu Rui Barbosa. Em 1966, foi transformada em fundação, voltada para documentação, pesquisas e debates.

Atualmente, a FCRB – que no novo governo foi integrada ao Ministério da Cultura – tem um Arquivo Histórico Institucional com 60 mil documentos que pertenceram a Rui Barbosa, um Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, um Centro de Memória e Informação, um Centro de Pesquisa, com setores de: Estudos Ruianos, de Direito, de Filologia, de História, de Políticas Culturais e uma biblioteca. Abriga ainda milhares de documentos que pertenceram a pessoas que foram ligadas a Rui. Tem também um mestrado em Memória e Arquivo. Seus portões são abertos ao público – é comum ver famílias passeando por seus jardins.

O "revogaço" que a nova administração prepara deverá abranger de regulação de postagens em redes sociais ao funcionamento do Comitê Interno de Governança, passando por normas em viagens internacionais e controle de assiduidade. Competências da Diretoria Executiva, Política de Pesquisa e nova Política de Editoração também estão na lista.

<b>Controvérsias</b>

A polêmica sobre a "autocondecoração" é apenas uma entre as muitas que envolveram a Casa de Rui Barbosa a partir da nomeação de Letícia. Servidores e a nova direção apontam como causa um suposto plano de desmonte da instituição. Já Letícia atribui as acusações a uma suposta "militância muito difícil de lidar".

Em 2022, o orçamento executado da fundação, de acordo com números da Divisão de Planejamento e Orçamento, excluídas as despesas com pessoal, foi de R$ 5.759.055 – execução de 84,25%. A cifra e a proporção foram as mais baixas da série, iniciada em 2017. Para este ano, são previstos R$ 12 milhões.

"O que aconteceu aqui foi um projeto de desconstrução, de asfixia orçamentária", disse o atual presidente da fundação. "Não era transformar a Casa em um think-tank conservador. Era uma arquitetura da destruição, com uma dose de improviso."

O último concurso público para a Casa ocorreu em 2013. Sua validade foi até 2017. O quadro de pessoal, que era de 120 pessoas em 2015, caiu para 80 no ano passado. Diante das mudanças do governo Bolsonaro, funcionários se aposentaram ou pediram transferência para outros órgãos.

Servidores descreveram, em denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), as "exonerações, nomeações, relotações e dispensas" de funcionários – em muitos casos, sem aviso aos exonerados, que souberam pelo Diário Oficial. O processo começou em 7 de janeiro de 2020.

"Em um primeiro momento, foi exonerada toda a cúpula do Centro de Pesquisa, seu diretor e os chefes dos Setores de Políticas Culturais, de História, de Direito, Ruiano e de Filologia", descreve o texto encaminhado ao MPF. "Em seguida, foram exoneradas a chefe da Divisão de Planejamento e Orçamento, a assistente da presidência e a chefe da Divisão de Difusão Cultural. Três outros servidores, sendo dois deles chefes substitutos, foram dispensados da substituição da chefia e relotados em outros setores."

O historiador Antônio Herculano Lopes, um dos exonerados, disse ao <b>Estadão</b> que atualmente restam apenas oito dos 30 profissionais que trabalhavam no Centro de Pesquisas da fundação antes da gestão bolsonarista. Segundo Lopes, a então presidente fez as exonerações "sem ter ninguém para colocar nos lugares" que ficaram vagos. "Foi político mesmo."

<b>Inquérito</b>

Às denúncias de funcionários ao MPF e à Procuradoria-Geral da União, corresponderam iniciativas de Letícia para abertura de investigações contra servidores da Casa e pessoas de fora da instituição que a criticaram. A ex-presidente alegou ter sido ameaçada e também fez acusações de calúnia e difamação.

<b>Outro lado</b>

Ao <b>Estadão</b>, Letícia Dornelles afirmou que, na concessão da Medalha Rui Barbosa, mexeu na portaria por orientação de um funcionário.

Segundo ela, as exonerações no Centro de Pesquisas ocorreram por determinação do ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim e afirmou ter sido surpreendida pela decisão. O ex-secretário não foi encontrado pelo <b>Estadão</b>. (COLABOROU RAYANDERSON GUERRA) As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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