Depois de dirigir musicais de sucesso sobre Tim Maia e Cazuza, João Fonseca decidiu dar um tempo em espetáculos sobre a vida e a carreira de artistas. A determinação só durou até receber o convite do produtor Gustavo Nunes para dirigir Cássia Eller – O Musical. “Não podia negar, pois, ao contrário de Tim e Cazuza, convivi com Cássia e me tornei seu amigo”, justifica o encenador que, por conta de compromissos assumidos, dividiu a direção com Viniciús Arneiro.
O resultado é outro estrondoso sucesso que, depois de passar por Rio e Belo Horizonte (onde filas para comprar ingresso se formavam na madrugada), chega a São Paulo no dia 19, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Cássia Eller morreu jovem, aos 39 anos, no final de 2001. Estava no auge da popularidade. Teve uma carreira meteórica de 11 anos e sete discos, em que misturou um repertório roqueiro com clássicos da música popular brasileira e hits internacionais. Além da voz versátil e da cultura musical, deliciava os fãs com sua irreverência, suas frases de efeito e suas atitudes escandalosas e desbocadas no palco.
“Depois de Cazuza, eu tinha realmente que fazer um musical sobre Cássia. Uma continuação natural da história da minha geração, pois são dois provocadores, maravilhosos e únicos”, conta João Fonseca.
Amizade teatral
Ele conheceu a cantora em 1997, quando estreou como encenador codirigindo O Casamento, com Antonio Abujamra. “Cássia foi assistir por ser amiga da atriz Denise SantAnna e se apaixonou pelo espetáculo, revendo outras seis vezes”, lembra Fonseca que, além de contar com Arneiro na codireção, cercou-se de profissionais que mantiveram uma íntima relação (pessoal e profissional) com Cássia: a percussionista Elaine Moreira, conhecida como Lan Lan, e o baixista Fernando Nunes. Ambos tocaram na banda da cantora e assumiram a direção musical do espetáculo.
“Fernando e Lan Lan nos alimentaram com histórias, referências, detalhes sobre Cássia, dentro e fora do palco”, conta o produtor Gustavo Nunes, idealizador do projeto nascido em 2012, quando fez o primeiro contato com a família da cantora. “Eles logo ficaram interessados, pois sentiam a falta de uma homenagem à altura da Cássia”, conta Nunes que, com o sinal verde, saiu em busca de patrocínio via renúncia fiscal.
Não foi fácil – a figura transgressora de Cássia ainda assustava investidores, mesmo aqueles que já aplicavam em teatro musical. O projeto alavancou quando finalmente o Centro Cultural Banco do Brasil entrou na empreitada, apostando no espetáculo e o incluindo na programação de suas unidades (depois de Rio, Belo Horizonte e São Paulo, segue para Brasília, onde estreia dia 4 de dezembro).
Com a produção garantida, Gustavo Nunes convidou João Fonseca para direção de Cássia Eller – O Musical, função dividida com Viniciús Arneiro. “O fato de ter um novo olhar foi fundamental para que eu arriscasse mais”, comenta o diretor. “Nosso desafio era descobrir como observar aquela artista e o que ela provocou na nossa geração. Cássia era autêntica e, por isso, não chocava.”
A dramaturgia, portanto, ficou a cargo de Patrícia Andrade, por também acreditar que Cássia não passou pela vida dos amigos impunemente. E, ao lado de Lan Lan e Fernando Nunes, Fonseca e Gustavo participaram dos cinco dias de audição para definir o elenco.
Aos poucos, os personagens foram ganhando corpo: Emerson Espíndola foi escolhido para viver, entre outros, Nando Reis; Eline Porto foi selecionada para ser Eugênia, companheira de Cássia; Evelyn Castro interpreta Nanci, mãe da cantora; Thainá Gallo foi eleita para viver Lan Lan; Jana Figarella é Rúbia e Glicério Rosário se divide entre Oswaldo Montenegro e Fernando Nunes, além de outros papéis.
Restava o grande desafio: a intérprete de Cássia Eller. João Fonseca alimentava um desejo de escalar uma grande atriz, Georgette Fadel, o que garantiria um peso considerável na interpretação. “Sem dúvida, seria uma ótima escolha, mas eu havia me comprometido com a família da Cássia que encontraríamos alguém ainda desconhecido para o papel”, observa Gustavo.
Assim, mais de mil candidatas se apresentaram, mas nenhuma provocou tamanho frisson que o provocado por Tacy de Campos. Curitibana, 24 anos, ela foi convidada para a audição depois que a produtora de elenco Cibele Santa Cruz descobriu um vídeo no YouTube, que mostrava Tacy cantando como Cássia Eller. “Alguns amigos queriam fazer uma homenagem a ela e me convidaram para participar”, conta Tacy, cuja timidez diante de entrevistadores se assemelha à da própria Cássia, famosa pelos monossílabos que dava como respostas.
“Quando Tacy entrou com um jeito de bicho do mato, cabeça baixa, extremamente tímida, já senti um frio na espinha”, lembra Fernando Nunes, que acompanhou Cássia em quase toda sua carreira. “Comentei com a Lan Lan que era o mesmo jeitão.” E bastou a menina soltar a voz para a certeza se concretizar – Tacy emocionou os selecionadores ao cantar Por Enquanto, Come Together e Partido Alto.
“Fomos às lágrimas e, para nós, não havia mais dúvidas”, relembra Fernando.
Embora também tocados pela apresentação, João Fonseca e Gustavo Nunes não estavam ainda totalmente convencidos. “Preparávamos um musical e não um show, ou seja, era preciso que ela demonstrasse também aptidão para atuar”, explica o diretor, ciente da completa inexperiência de palco de Tacy. “Tivemos uma boa conversa e ela decidiu aceitar o desafio.”
Além de ter aulas de interpretação, foi essencial na composição do personagem, segundo Gustavo, a amizade que Tacy estabeleceu com o baixista Fernando Nunes. “Eles criaram uma cumplicidade totalmente favorável para o musical”, observa. Fernando confirma: “Como conheci bem a Cássia, mostrei detalhes nos gestos que ajudaram a compor o personagem”.
João Fonseca também se impressionou com a evolução de Tacy. “Ela revelou uma incrível inteligência cênica e acompanhar sua descoberta do papel foi como ver uma criança engatinhando até aprender a andar.”
Ao contrário de outras produções musicais que apostam em cenários suntuosos, Fonseca preferiu trabalhar apenas com cadeiras que marcam espaços e plásticos escuros que cercam o palco, criando um ambiente de caverna. “Cássia certamente não gostaria de nada luxuoso”, acredita o encenador. “Também era preciso que fosse algo que abrigasse todos os lugares e tempos vividos por ela. E, como Cássia gostava de cantar em espaços pequenos, undergrounds, esse clima de caverna é o ideal.”
Companheira de Cássia Eller por 14 anos, Maria Eugênia Martins não fez nenhuma imposição ao musical, tampouco pediu alguma mudança no texto, mesmo com várias cenas exibindo uso de álcool e drogas ou mesmo não escondendo as infidelidades promovidas pela cantora.
Durante os ensaios, Maria Eugênia e o filho de Cássia, Francisco, eram representados por Rodrigo Garcia, que cuida do espólio artístico da cantora. “Foi uma convivência muito tranquila, sem nenhum problema”, comenta o produtor Gustavo Nunes. No total, são 34 canções, abrindo com Do Lado do Avesso e encerrando com um grande sucesso de Cássia, Segundo Sol.