Estadão

Cautela global com Ômicrom e risco fiscal derrubam Ibovespa

Uma onda de aversão global ao risco, em meio a temores de que o avanço da variante Ômicron do coronavírus abale a economia global, varreu os mercados acionários mundo afora na sessão desta segunda-feira, 20, levando de roldão o Ibovespa. Em Nova York, também pesou sobre o sentimento dos investidores a possibilidade de malogro do plano de investimentos do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, após o senador democrata Joe Manchin anunciar voto contrário ao projeto.

Analistas destacam que as dúvidas sobre eventual desaceleração da atividade em todo o mundo diante das restrições impostas para conter disseminação da Ômicron, em especial na Europa, vem exatamente após o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e outros bancos de países desenvolvidos alardearem que vão reduzir estímulos monetários para tentar segurar a inflação. Na prática, isso significa provável diminuição da liquidez e, por tabela, de combustível para os ativos de risco.

"Temos uma aversão global ao risco com o avanço da Ômicron na Europa e nos Estados Unidos e isso causa muita apreensão. A Holanda anunciou lockdown. Já que é uma semana sem muita liquidez, investidores preferem ir para ativos mais seguros", diz Lucas Mastromonico, operador de renda variável da B.Side Investimentos. "Essa variante Ômicron não se mostra letal como as outras, mas muito transmissível. Preocupa até quando as medidas de restrição da circulação vão durar, porque isso prejudica a economia", afirma o economista da Valor Investimentos, Davi Lelis.

Aos ventos externos desfavoráveis – que, por si só, já abalariam o apetite do investidor por ativos locais – somam-se renovadas preocupações com deterioração fiscal doméstica, em meio às negociações para votação do Orçamento de 2022 . Além de pressões para reajuste do funcionalismo público, há rumores de que o Centrão estaria tentando elevar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 – em um prenúncio de mais tentativas de aumento das benesses sociais com vistas às eleições de 2022.

Com queda de cerca de 1,5% logo após a abertura, o Ibovespa perdeu a linha dos 105 mil pontos ainda pela manhã, registrando mínima aos 104.357,81 pontos, e passou à tarde operando com baixa superior a 2%. Não bastasse o tombo das ações da Petrobras (-2,86% PN; -1,92% ON), em meio à queda do petróleo no mercado internacional, as ações da Vale também sofreram (-1,12%), a despeito da valorização do minério de ferro, na esteira de anúncio de medidas de estímulo pelo governo chinês. Entre as blue chips, os bancos e siderúrgicas também apanharam, selando o destino do índice.

Com apenas quatro ações da carteira teórica em alta, o Ibovespa encerrou o dia em baixa de 2,03%, aos 105.019,78 pontos, com giro de R$ 25 bilhões. Apesar do tombo nesta segunda-feira, o índice ainda acumula alta de 3,05% em dezembro. Não é um rali espetacular de fim de ano, mas está longe de ser um desastre. Em 2021, contudo, o índice ainda amarga perdas de dois dígitos (-11,76%).

"Hoje, houve uma convergência de fatores negativos, com muitos países europeus tomando medidas mais fortes de restrição para combater a Ômicron e notícias ruins de Brasília. Isso acabou pesando muito na Bolsa", afirma Rodrigo Natali, estrategista da Inversa.

Apesar das incertezas relacionadas aos impactos da variante Ômicron, Natali não crê que o Ibovespa possa recuar para a linha dos 100 mil pontos. O estrategista avalia que, além do dólar alto dar suporte a ações de exportadoras, há o efeito positivo das medidas de estímulos na China, que devem beneficiar as commodities.

"Acredito que já vimos as mínimas da Bolsa no ano. As ações maiores sofrem hoje, apesar da ação contracíclica da China, por serem mais liquidas", afirma Natali, ressaltando que o país asiático coloca o pé no acelerador enquanto o Fed e o Banco Central Europeu reduzem estímulos.

A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, observa que, além da apreensão com a variante Ômicron, os mercados sofrem com a "percepção de piora do risco fiscal, por conta da pressão por gastos às vésperas do ano eleitoral", em meio à definição do Orçamento de 2022. "Tudo isso em um momento de baixa liquidez por conta da proximidade dos feriados".

O relator-geral do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), apresentou hoje o texto final da proposta, mas a votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) foi adiada para amanhã (21). Segundo fontes ouvidas pelo Broadcast, a prioridade na CMO seria será incorporar ao orçamento reajuste a agentes de saúde, com impacto de R$ 1,8 bilhão. Já o aumento de salários de policiais federais, com estimativa de R$ 2,86 bilhões, dependeriam de cortes no orçamento. Já a eventual redução do fundo eleitoral, de R$ 5,1 bilhões, estaria sob fogo pesado do Centrão.

O relator também propôs na peça orçamentária uma PEC para redefinir o teto de gastos a cada quatro anos, com desvinculação da margem fiscal aberta pela PEC dos Precatórios. Segundo fontes ouvidas pelo Broadcast, uma nova PEC do teto é "horrível" e cria insegurança quanto a principal âncora fiscal do país.

"Hoje tem muita notícia ruim vindo de Brasília. Isso atrapalha muito os ativos domésticos. Se vai ter PEC para revisar o teto a cada quatro anos é porque não existe teto", diz Natali, da Inversa.

A maior baixa do dia foi da ação ON da CVC (-8,76%). A empresa diz que foi surpreendida, na noite de sexta-feira, com a comunicação do Grupo Itapemirim quanto à suspensão temporária de suas operações aéreas. Em seguida, vieram as ON da Locaweb (-7,13%), da CSN (-6,91%), da BRMalls (-6,66%) e as PN da Gerdau (-5,93%). Entre as empresas áreas, mais prejudicadas com a emergência da Ômicron, Azul PN recuou 3,58% e GOL PN, 4,24%.

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