Estadão

CCXP homenageia Fernando Meirelles e celebra os 20 anos de Cidade de Deus

Maior evento de cultura pop do mundo – como está escrito em uma de suas paredes -, a CCXP, na São Paulo Expo, tem sido vitrine para grandes eventos de Hollywood. Toda a produção das Majors, os filmes baseados em HQs, as histórias de super-heróis, têm passado por aqueles corredores em que os fãs, muitos nerds, vestem-se a caráter para celebrar o universo da fantasia. Nesta quinta, 1º, a CCXP fez uma celebração um pouco diferente em seu primeiro painel. A Sala Thunder, a maior, estremeceu com a aplauso do público para o cinema brasileiro. A CCXP 2022 abriu com a comemoração dos 20 anos de <i>Cidade de Deus</i>.

No palco, Marcelo Forlani destacou o eterno retorno – juntos, novamente – e pediu ao público que aplaudisse um gênio, Fernando Meirelles. Modesto, o diretor fez uma afirmação sujeita a controvérsia – gênio, para ele, é Alejandro Gonzáslez-Iñárritu, de Bardo -, acrescentando que é muito mais um curador de talentos. Sua habilidade, nesses anos todos, têm sido saber reunir os melhores. Um administrador de talentos, e egos. Há 20 anos, em maio de 2002, Cidade de Deus fez sua estreia internacional no Festival de Cannes. Em agosto daquele ano, estreou nos cinemas brasileiros. Em 2004, concorreu a quatro Oscars da Academia – melhor direção, melhor fotografia, melhor roteiro adaptado, melhor montagem.

Meirelles lembrou a loucura – "Cheguei a Cannes sem agenda nenhuma. Um filme de diretor brasileiro desconhecido, com elenco desconhecido. Bastou a sessão de imprensa para mudar isso. Tive de dar 180 entrevistas. Todo mundo corria atrás da gente, o próprio filme ganhou 47 prêmios internacionais." Meirelles sentou-se com Forlani e… no sofá da Sala Thunder. O apresentador pediu licença para deslocar o diretor. "Vamos ali para a lateral, vamos ter uma apresentação." Entrou um grupo de dança, que ocupou o imenso palco para uma coreografia vibrante. E logo os demais convidados – atores, incluindo Alexandre Rodrigues e Seu Jorge, a produtora Andréa Barata Ribeiro, o fotógrafo César Charlone, o montador Daniel Rezende e o homem sem o qual nada daquilo teria sido possível, Guti Freire.

Andréa contou que hoje <i>Cidade de Deus – City of God</i> – é considerado um marco do favela movie, mas na época foi feito contra a corrente. Ninguém queria botar dinheiro em um filme daqueles. Meirelles foi categórico – "O filme só seria possível com o elenco certo, e na época não existiam jovens atores negros preparados para uma obra daquela envergadura. A Kátia (Lund) foi fundamental. Foi quem me levou ao Guti." Freire já trabalhava em comunidade, usando a arte como ferramenta de inclusão social. "A gente se sentava no chão, Kátia e eu. Durante três, quatro meses, vimos nosso elenco surgir." Quando Meirelles propôs a Alexandre Rodrigues que fizesse o protagonista, Buscapé, ele não acreditou – "Como assim, protagonista?"

Na época, uma disputa por crédito marginalizou, senão minimizou o aporte de Kátia Lund ao filme. Nos 20 anos de Cidade de Deus, Kátia foi lembrada, saudada e reintegrada – por Guti Freire, por Seu Jorge e pelo próprio Meirelles. Na trilha aberta por Cidade de Deus, surgiu o coletivo – a Ong – Nosso Cinema, hoje Cinema Nosso, que forma profissionais na comunidade, predominantemente negros. Seu Jorge destacou a importância da inclusão. Lembrou o racismo estrutural da sociedade brasileira. Recebeu uma verdadeira ovação da garotada que muita gente considera alienada, por curtir os comics, a Marvel, a DC. E Meirelles – "Escolho meus filmes pelo tema. A desigualdade social é um deles. Outro tem sido a crise climática. Quero dar uma notícia ruim. Vocês estão f… A questão do clima só vai piorar", advertiu. Outra notícia, boa. Meirelles anunciou um spin-off de <i>Cidade de Deus</i>, para o streaming. "O filme é sobre a dificuldade das comunidades. A série será sobre a potência."

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