O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello fez uma defesa do princípio de que todos são iguais perante a lei, e votou pela recusa a um pedido do presidente Jair Bolsonaro, que busca depor por escrito em um inquérito que apura interferência política na Polícia Federal. Em seu voto de despedida, o decano da corte fez críticas a privilégios e tratamentos especiais e manteve a posição que havia demonstrado em setembro, quando determinou que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente pela PF.
Mello afirmou que qualquer investigado, seja chefe de poder ou não, deve passar por interrogatório presencialmente, de acordo com a lei. "Nunca é demasiado reafirmar que a ideia de República traduz um valor essencial: a igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém tem possibilidade para transgredir as leis. Ninguém está acima da autoridade e do ordenamento jurídico brasileiro", afirmou o ministro nesta quinta-feira, 8, no plenário do Supremo.
O ministro, que deixa o STF no próximo dia 13, afirmou que investigados, independentemente da posição funcional que ocupem no aparato estatal ou na hierarquia de poder do Estado, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados.
Mello afirmou que tem defendido essa posição há mais de 20 anos no STF. A lei, como destacou, prevê apenas depoimento por escritos para presidentes de poderes quando eles estão na condição de testemunha, mas não na de investigados. Em sua explicação, Mello afirmou que a presença de réus não pode não ser substituída e não é possível haver interrogatórios por procuração. Segundo ele, sem o depoimento presencial, há prejuízo para a investigação, diante da impossibilidade de se fazer novas perguntas e explorar eventuais contradições.
"O dogma republicano da igualdade, que a todos nos nivela, não pode ser vilipendiado por tratamentos especiais e extraordinários inexistentes em nosso sistema de direito constitucional", disse. O ministro afirmou, também, que não se pode justificar "o absurdo reconhecimento de inaceitáveis e odiosos privilégios, próprios de uma sociedade fundada em bases aristocráticas ou, até mesmo, típicos de uma formação social totalitária".
Jair Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República desde abril, após o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmar que estavam acontecendo interferências indevidas na Polícia Federal, por parte do presidente. Na segunda-feira, 5, o inquérito foi prorrogado por mais 30 dias.
Como a investigação chegou na fase de tomada de depoimento, o ministro Celso de Mello determinou que ele fosse tomado presencialmente, em setembro. Apesar de Bolsonaro ter dito anteriormente que, para si, não fazia diferença a forma do depoimento, a Advocacia-Geral da União – que o representa no caso – recorreu ao plenário do Supremo, para que ele seja autorizado a prestar informações por escrito.
Segundo destacou a defesa de Bolsonaro, precedentes no tribunal permitiram que depoimentos fossem tomados por escritos. O ex-presidente Michel Temer teve essa permissão concedida em 2017 e 2018, por decisões dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com o pedido da defesa de Bolsonaro.
Celso de Mello, porém, afirmou que a recusa para depoimento por escrito não é inédita entre chefes de poderes. Ele explicou que o ex-ministro do STF Terori Zavascki determinou depoimento presencial de um ex-presidente do Congresso Nacional. "O postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminação, impedindo que se faça tratamento seletivo em favor de determinadas pessoas", disse Celso de Mello.
O decano frisou, também, que presidentes de poderes, como quaisquer cidadãos, têm uma série de direitos – entre eles, não ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado, não se incriminar, não ser condenado com provas ilícitas.