Depois do fim da temporada do espetáculo Nem Princesas, Nem Escravas, o Teatro do Ornitorrinco decidiu apostar, mais uma vez em um texto do mexicano Humberto Robles, para sua nova produção.
A experiência de criação se repetiu, como tantas outras montagens da companhia de Cacá Rosset, fundada nos anos 1970. Com o texto da peça em mãos, o diretor passou a imaginar como contar Frida Kahlo: Viva la Vida, inspirado na icônica artista mexicana. Quem preenchia essa imaginação com cores e traços era o cenógrafo José de Anchieta. Dois dias antes de morrer, em maio desse ano, aos 71 anos, o pernambucano trocava mensagens com Rosset sobre as detalhes que iriam emoldurar a dolorosa história da artista. “Depois de tantos trabalhos juntos, a gente tinha uma comunicação quase telepática”, conta Rosset.
O jornal O Estado de S. Paulo visitou a casa onde Anchieta morava para mostrar os desenhos e croquis que o cenógrafo deixou para o espetáculo póstumo, que deve estrear em novembro. Frida Kahlo: Viva la Vida resgata a trajetória da artista em um espaço tão comum quanto acolhedor. “Ela está na cozinha da casa”, conta a atriz Christiane Tricerri. “A peça também escolhe um momento especial. É Dia dos Mortos, uma celebração de memória e afeto.”
Na história, enquanto prepara a refeição preferida de seus antepassados, Frida vai receber a visita de fantasmas pessoais. Todos os homens que cruzaram sua biografia aparecem, suscitando temas que envolvem seu estilo de criar e o intenso contato com figuras da política e das artes do século 20. “Diego Rivera, seu marido, e Leon Trotski voltam, assim como Nelson Rockefeller, responsável por divulgar o trabalho do casal nos EUA”, diz Rosset.
Há também o lado mais dramático de uma mulher que tinha saúde frágil desde a infância. Marcada pelos efeitos da poliomielite, contraída aos 6 anos, a Frida também sobreviveu a um atropelamento que interrompeu seu sonho de ser mãe. “No texto da peça, ela diz que só pinta a si mesma porque é a única coisa que ela vê”, conta Christiane. “Nesse período, ela já está acamada, com uma das pernas amputadas e pintava com a ajuda de um cavalete adaptado.”
Seu estilo inconfundível a colocou no topo dos prédios de Nova York. “As crianças viam toda aquela roupa e suas cores e gritavam: “Onde é o circo?”, diz Rosset. Em 2012, quase 60 anos de sua morte, a Vogue México estampou sua homenagem na capa: “As aparências enganam.”
No palco, a Christiane está em uma cadeira de rodas e a cozinha está repleta de objetos criados pela artista. Nos desenhos de Anchieta, há uma prótese colorida e os pés da mesa são ornamentados como pernas de um esqueleto.
Rosset conta que a etapa de cenário já havia sido concluída, antes da morte do cenógrafo. “Os figurinos já estavam bem encaminhados. O que temos aqui é um bom caminho para seguir.” Mas também não faltam referências. Desde que a peça foi anunciada, Christiane tem recebido inúmeros objetos inspirados na artista, de amigos e familiares. “Ela conseguiu se transformar em um ícone e a indústria tem muita força nisso. Já ganhei livros, canecas, almofadas e objetos decorativos. Ela está na arte, no cinema, no teatro, na moda. Em tudo.” Sem desmerecer o carinho que recebe, e com bom humor, a atriz sinaliza: “Eu já não sei o que faço com tantas Fridas em casa.”
Ao retomar os ensaios, a equipe ainda busca compreender o sentimento diante da lacuna chamada Anchieta. “A história de uma artista que celebra o Dia dos Mortos ganhou outro sentido para nós”, diz Rosset. “Na estreia, será a vez de celebrarmos a vida do grande Anchieta.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.