Enquanto os clientes da OceanGate assinavam um termo de responsabilidade assumindo os riscos do passeio rumo ao Titanic, o CEO da empresa, Stockton Rush, era alertado sobre os problemas da expedição. Trocas de e-mails entre Rush e um especialista em exploração marítima indicam que ele não só ignorou os avisos como chegou a dizer que estava cansado de reclamações daqueles que tentavam "impedir a inovação".
Mensagens divulgadas pela BBC nesta sexta-feira, 23, indicam que o CEO da OceanGate sabia sobre possíveis problemas no Titan há pelo menos cinco anos. Nos e-mails trocados em 2018, o consultor de expedições em alto mar, Rob McCallum, escreveu que Rush estava colocando a si e aos seus clientes em alto risco. A resposta, no entanto, não foi a esperada. Ao invés de investigar falhas de segurança, o dono da OceanGate reagiu de forma agressiva às críticas.
À época, Stockton Rush, que é uma das cinco vítimas da implosão catastrófica do submersível Titan, contestou duramente a preocupação de McCallum. "Ouvimos os gritos infundados de você vai matar alguém com muita frequência. Tomo isso como um sério insulto pessoal", escreveu ele. O especialista, no entanto, continuou insistindo que a empresa buscasse uma certificação segura antes de vender os passeios com destino aos destroços do Titanic.
Em resposta, o CEO chegou a afirmar que estava "cansado de participantes da indústria que tentam usar um argumento de segurança para impedir a inovação". Ele ainda continuou argumentando que o risco faria parte da natureza da inovação e que atores do setor estariam fazendo um esforço para impedir a entrada de novas empresas no mercado.
A inovação, aliás, foi usada de forma recorrente como justificativa para o funcionamento do submersível sem certificação. Em 2019, uma postagem intitulada "Por que o Titan não é certificado?", a OceanGate explicou que a embarcação poderia levar anos para ser certificada pelas agências de avaliação habituais. "Manter uma entidade externa atualizada sobre cada inovação antes que ela seja colocada em teste no mundo real é um anátema para a inovação rápida", escreveu a empresa.
Rob McCallum informou à BBC que foi ameaçado de processo depois da troca de e-mails. Porém, mesmo com o tom agressivo de Rush, o especialistas foi categórico: "há muito mais em jogo do que Titan e o Titanic", escreveu. "Estou bem qualificado para entender os riscos e problemas associados à exploração submarina em um novo veículo", contestou Rush. Mesmo com as cobranças, a embarcação realizou 14 viagens com turistas entre 2021 e 2022. Todas elas sem nenhuma certificação oficial.
O especialista foi um dos vários a alertar Stockton Rush e demais membros da OceanGate sobre os riscos da expedição. Na empresa, chegavam apelos alarmantes de líderes do setor e até mesmo do ex-diretor de operações marítimas da corporação, David Lochridge. Em relatórios feitos por ele e obtidos pelo The New York Times, Lochridge avisou dos perigos e solicitou mais testes com o Titan.
A contragosto de Rush, as suspeitas de falta de segurança no submersível que levava turistas ao Titanic não cessaram e ele teve que admitir que ignorou algumas recomendações para seguir com o projeto.
Em entrevista realizada no ano passado para o youtuber de viagens Alan Estrada, o CEO da OceanGate defendeu seu posicionamento. "Acredito que foi o general MacArthur quem disse: você é lembrado pelas regras que quebra. Quebrei com lógica e boa engenharia. Tem uma regra que diz para não misturar fibra de carbono e titânio, bom, eu misturei", afirmou.
O desinteresse de Stockton Rush pelas regras de segurança do submersível foi expressado novamente em novembro do mesmo ano. Durante um episódio do podcast "Unsung Science" do jornalista David Pogue, ele afirmou que pensar em segurança seria "puro desperdício". "Se você só quer estar seguro, não saia da cama, não entre no seu carro, não faça nada. Em algum momento, você vai correr algum risco. É realmente uma questão de risco-recompensa", argumentou.