Prática controversa e criticada por cientistas pela falta de evidências científicas, a homeopatia pode ter seu reconhecimento como especialidade médica revisto no País a partir de nova análise de estudos científicos, conforme declarou ao <b>Estadão</b> o 1.º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Jeancarlo Cavalcante.
No Brasil, a homeopatia é regulamentada como especialidade médica desde 1980. Desde então, surgiram evidências mais robustas sobre sua ineficácia, mas o CFM não reviu seu posicionamento. Agora, questionado pelo <b>Estadão</b>, o conselho diz que nova análise de evidências será feita.
"O CFM reconhece essa especialidade. Porém, como órgão regulador, está aberto para novas discussões. Caso as evidências sejam questionadas, nada impede uma nova análise. Eu vou pedir para minha equipe coletar essas evidências (sobre a ineficácia da homeopatia) e vou levar à apreciação dos conselheiros", disse Cavalcante à reportagem após ser designado pelo conselho como porta-voz sobre o tema.
<b>Especialidades</b>
Segundo Cavalcante, as áreas de atuação na Medicina são reconhecidas como especialidades após passarem por análise da Comissão Mista de Especialidades, formada pelo CFM, Associação Médica Brasileira (AMB) e pelos ministérios da Saúde e da Educação. Essa comissão foi criada, porém, em 2015. Antes disso, o reconhecimento era feito por deliberação do CFM e AMB, mas, hoje, a criação ou a extinção de uma especialidade precisa passar pela comissão.
A homeopatia foi reconhecida pelo CFM em 1980 e pelo conselho de especialidades da Associação Médica Brasileira em 1990. A Associação Médica Homeopática Brasileira, criada a partir do reconhecimento da especialidade pela AMB, é a entidade que realiza provas para emissão dos títulos de especialistas dessa modalidade.
Desde o reconhecimento pelos órgãos médicos brasileiros, porém, surgiram novos estudos que reduziram a crença da comunidade científica no método. Um dos mais importantes foi publicado no periódico <i>Lancet</i>, um dos mais prestigiosos do meio médico, em 2005. O trabalho era uma análise de vários estudos robustos já feitos sobre o tema. Foram avaliados 220 ensaios clínicos e a conclusão foi que a evidência de eficácia da homeopatia "era fraca" e que os seus eventuais efeitos eram placebo.
Após o estudo, o <i>Lancet</i> publicou um editorial intitulado "O fim da homeopatia", no qual lembrou que a prática acumulava "150 anos de descobertas desfavoráveis". Nos anos seguintes, vários países aboliram a terapia dos seus sistemas públicos de saúde.
O presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, disse que a entidade defende a homeopatia por ser uma especialidade regulamentada no País e por ter passado pelos trâmites necessários para o reconhecimento, mas disse que a associação irá "se debruçar" sobre os estudos que contestam a eficácia da prática e, se achar pertinente, debaterá o tema entre a sua diretoria. "Por ora, é uma especialidade que existe por lei, não estão cometendo nenhum ilícito. Enquanto AMB, temos que entender um pouco melhor, chamar a associação de homeopatia para que traga as comprovações que se façam necessárias", disse.
No Brasil, a homeopatia é oferecida no SUS. Questionado sobre a falta de evidências científicas sobre a eficácia da prática, o Ministério da Saúde afirmou que a atual gestão da pasta "valoriza a ciência sem deslegitimar os saberes tradicionais – especialmente dos povos que vivem no Brasil, como indígenas e quilombolas – que também devem ser valorizados". Disse ainda que a implementação das PICS (Práticas Integrativas e Complementares, que incluem homeopatia, acupuntura e outros métodos controversos) no SUS "contribui com a integração entre a medicina moderna e as práticas tradicionais" e que elas "não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população".
Segundo o ministério, entre 2018 e 2022, foram realizados 128.231 atendimentos homeopáticos na rede pública de saúde.
<b>Nº de homeopatas teve alta de 21% em 10 anos</b>
Alvo de controvérsia nas comunidades médica e científica pela ausência de evidências científicas a respeito de sua eficácia, mas reconhecida como especialidade médica no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a homeopatia teve um crescimento de 21% no número de profissionais médicos nos últimos dez anos, mas tem perdido espaço entre recém-graduados e médicos mais jovens.
É o que mostram dados do estudo Demografia Médica, feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB).
<b>Profissionais mais velhos</b>
A especialidade, reconhecida desde 1980, é a que tem profissionais com idade média mais elevada entre as 55 áreas de atuação reconhecidas pelo conselho. Enquanto a média geral de idade dos profissionais médicos no País é de 45,9 anos, entre os homeopatas, é de 62,4 anos.
Apesar de países como Reino Unido e Austrália já terem interrompido a oferta de tratamentos homeopáticos em seus sistemas de saúde justamente pela falta de evidências científicas sobre sua eficácia, o Brasil vê o número de registros profissionais do tipo aumentar ano a ano, mas em ritmo muito inferior à alta do número geral de registros médicos, que cresceu 84,8% na última década.
Ainda de acordo com a Demografia Médica feita pela FMUSP, atualmente são 2.973 registros de homeopatas nos conselhos regionais de medicina e 2.766 médicos dessa especialidade atuando no País – o número de registros é diferente do de médicos porque um profissional pode ter registro em mais de um Estado.
Chama a atenção o fato de o Brasil ter mais registros de médicos homeopatas do que de especialistas em áreas com demanda crescente, como geriatras (2.670 registros), mastologistas (2.912) e coloproctologistas (2.414).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>