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Chega ao Brasil último volume da tetralogia napolitana de Elena Ferrante

Por fim, chega ao Brasil o último volume da tetralogia napolitana de Elena Ferrante, História da Menina Perdida (Biblioteca Azul). Deve fazer o mesmo sucesso dos anteriores A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome e História de Quem Foge e de Quem Fica.

Quem segue a tetralogia desde o início sabe do recurso literário usado pela autora. A narradora, a escritora chamada Elena Greco (alter ego de Elena Ferrante) recebe o telefonema de Rino, filho de sua amiga Rafaella Cerullo, que todos conhecem por Lina e apenas ela, Elena, chama de Lila. A esta altura sexagenária, Lila sumiu sem deixar traços. Elena se lembra que desaparecer era a aspiração da amiga. Talvez para contradizê-la, senta-se ao computador para escrever a história das duas. E, através da trajetória da dupla, falar do seu bairro em Nápoles, da cidade, do país e do mundo ao longo das últimas décadas. Fala, em especial, da condição feminina no país dominado pelo machismo.

Ambas, Elena e Lina, nasceram em Nápoles em 1944, filhas de famílias pobres. Lina é filha do sapateiro; Elena, de um contínuo. Ambas lutam para estudar. Leem, escrevem, diferenciam-se das outras pessoas do bairro. Mas será Elena, ou Lenu, como a chamam, quem conseguirá estudar até a universidade. Publica livros, dá entrevistas a jornais, casa-se com um professor de prestígio, enquanto a sua “amiga genial”, Lina, permanece na vida doméstica, no bairro. As duas têm filhos, descasam-se, casam-se de novo e tocam suas vidas.

Em História da Menina Perdida, Elena conta como decidiu retornar ao bairro natal depois de ter morado em cidades do norte do país. Como se sabe, existe na Itália uma dicotomia persistente entre o “norte moderno e o sul arcaico”. Esse tema, mescla de muito preconceito e dados socioeconômicos, chamado por intelectuais italianos (do norte) de a “questione meridionale”, aparecerá na contraluz das histórias das duas protagonistas. Lenu volta às origens porque entende que isso beneficiará seus livros.

Nesse volume as tensões dessa longa amizade, feita de amor e de rivalidade, chegarão ao ponto máximo. Um acontecimento decidirá o destino de uma das personagens e, talvez, das duas, porque uma tragédia é, também, um corte absoluto, determina um antes e um depois. A partir de certo momento, a tensão do texto cresce, idas e vindas entre presente e passado aumentam, à medida que a narradora sente a presença da velhice e o desejo de realizar um balanço de vida.

Resta dizer que, como os volumes anteriores, este também é empolgante. Talvez até mais que os outros. Apesar de haver detratores de Ferrante, é forçoso reconhecer sua capacidade de prender os leitores à trama. Há algo de folhetinesco na maneira como administra tensões, capítulo após capítulo, de modo que um termina com um “gancho” para o seguinte. Não faz concessões. Seus personagens, das protagonistas aos “mafiosos” locais, são complexos, inteiriços, contraditórios. A escrita prima pela franqueza, pela coragem com que aborda temas como a política, a maternidade, a sexualidade, desejos ocultos, o crime, a culpa. Nunca é unilateral, porque a narradora pratica a autocrítica constante e examina-se a cada passo. Há paixão, mas o “Eu” narrador não é ególatra. Luta consigo mesmo. A tetralogia em seu conjunto forma um grande romance sobre a amizade e a condição feminina.

A maior parte dos leitores de Ferrante se apega aos livros e se angustia quando terminam. A sensação se intensifica em A História da Menina Perdida porque sabemos que é o fecho da série e, depois do ponto final, teremos de dizer adeus a Lila e a Lena, que acompanhamos ao longo das 1.704 páginas da edição brasileira. Cada leitor apaixonado pela saga das amigas terá de fazer seu luto pessoal, pois o fim de um livro extraordinário é também uma perda. Guardamos a doce memória do primeiro contato com a obra, e podemos até relê-la de vez em quando. Mas sabemos que a magia da descoberta estará perdida para sempre. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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