Sob patrulhamento das Forças Armadas há um ano, o Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, considerado o maior desafio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), começou a ser ocupado em caráter permanente pela Polícia Militar (PM) por duas das favelas menos perigosas, dominadas por uma milícia. A iniciativa vem em momento de crise para as UPPs, marcado, na opinião do coronel Frederico Caldas, por “um sentimento generalizado de pessimismo”. Para ele, se o projeto de pacificação fracassar, “vai todo mundo para o buraco”.
“Não se pode torcer contra. A UPP tem que ser fortalecida, preservada. Estamos fazendo uma revisão, mas não há recuo. As críticas, a gente compreende, mas se não der certo, vai todo mundo para o buraco”, disse Caldas, que comandou as UPPs e é o relações-públicas da corporação. “O pessimismo é um sentimento generalizado no Brasil inteiro. Mas se a inflação está alta, vamos acabar com o Plano Real? Estar na Maré é um gesto de coragem. Temos problemas na Rocinha, no Complexo do Alemão, no São Carlos, no Turano… São 38 UPPs. Mas vamos voltar ao que era antes?”
Com 140 mil moradores, a Maré é formada por 16 favelas. As primeiras escolhidas pela PM foram Praia de Ramos e Roquette Pinto, dominadas por milicianos não-ostensivos. Assim, não registram tiroteios. Em 1º de maio está marcado o início da etapa mais difícil: ocupar as comunidades Nova Holanda, Parque União, Nova Maré e Rubens Vaz, onde agem traficantes que Exército e Marinha não conseguiram deter. Segundo moradores, a guerra entre facções arrefeceu, mas não cessou, e a venda de drogas passou a ser mais discreta.
As primeiras equipes da PMs começaram a chegar para dar início à transição na terça-feira à noite. Até o início da noite de hoje não haviam ocorrido confrontos. Duzentos e vinte PMs já estavam lá trabalhando com as Forças Armadas. A inauguração da UPP está prevista para 30 de junho. Serão quatro postos; este primeiro, com 117 PMs. Para toda a Maré, estão previstos, a princípio, 1.760 – o efetivo do Exército e a Marinha, que deixam gradualmente o complexo, chegou a somar mais do que o dobro disso: 3.300 militares.
Eles estão passando aos PMS os pontos mais críticos, como a entrada pela Baía de Guanabara, que margeia parte do complexo e será patrulhada por lanchas para impedir a chegada de armas e drogas; a Avenida Brasil, que lhe dá acesso; e as vias expressas próximas, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. Com tanques, caminhões, jipes e barricadas e presença ostensiva nas ruas, as Forças Armadas ocuparam a Maré em abril de 2014, graças a acordo dos governos estadual e federal. O objetivo foi reagir a ataques de traficantes a bases das UPPs. A princípio, ficariam por seis meses, mas o período foi estendido por causa da complexidade da região: além da milícia, existem traficantes de três facções criminosas diferentes, que brigam pela hegemonia do comércio ilegal.
Durante a ocupação militar, moradores acusaram arbitrariedades, como abordagens agressivas, obstrução de vias públicas por barricadas e invasões de casas. A fim de preparar as comunidades para a UPP, vêm ocorrendo reuniões com moradores e representantes das ONGs há três anos. A chegada da PM é observada com cautela. “Para o morador de bem, tanto faz se é polícia ou Forças Armadas. Acho que a PM talvez tenha mais jeito com a população do que o Exército”, disse o garçom Ocyr Feitosa, de 38 anos, cearense que mora na Maré há 19. “Estou otimista. A gente vê os problemas das outras UPPs e espera que aqui seja diferente”, declarou o aposentado João Ferreira da Silva, de 80 anos, que veio da Paraíba para a Maré em 1953. As UPPs foram criadas em 2008 para livrar favelas de traficantes armados, reduzir os tiroteios e aproximar policiais e moradores. Houve sucesso nos objetivos, mas os índices de criminalidade no Estado voltaram a subir em 2014.