Uma marcha fúnebre tem início do outro lado da linha e Chico Salem pede desculpas pela interrupção. No início da tarde de quarta, 24, o centro de Joanópolis, a 120 km de São Paulo, quase na divisa com Minas Gerais, foi tomado pelo início de uma missa, provavelmente de sétimo dia, ecoando tristes notas pela praça e pelo coreto, onde está o músico de 38 anos.
Não há sinal de celular no chalé onde mora há três anos, anexo a um spa holístico administrado por ele e sua mãe. Depois de 12 dias em São Paulo, Salem deixou novamente o caos urbano e se dirigiu à calmaria do campo para descansar corpo e alma antes do lançamento do segundo disco solo, Maior ou Igual a Dois, marcado para esta sexta, 26.
Após uma série de shows de pré-lançamento, sob o título de Esquenta, no ano passado, Salem põe o novo trabalho nas lojas e o mostrará, de forma oficial, em 17 de março, no Centro Cultural Rio Verde, em SP.
Maior ou Igual a Dois, produzido por Guilherme Kastrup (o mesmo do disco Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares), é o inverso de 01, o primeiro disco solo do músico, lançado há mais de uma década, em 2002. Subjetividade foi trocada por versos mais objetivos, imagéticos. Simples no lugar do complicado. Companhia em vez de solidão. 01 era o retrato de um músico que, sozinho, tentava explicar o que sentia por metáforas e artifícios de linguagem. Maior ou Igual a Dois parte do princípio oposto. É o que é, sem meias-palavras ou indiretas.
“Antes, eu compunha, revia a letra mil vezes, achava que estava ruim”, conta Salem, depois de fugir da marcha fúnebre do centrinho da cidade onde mora. “Mudava tudo. E, no fim, perdia o frescor da emoção do momento da composição.” E muito disso se deve a Arnaldo Antunes. A trajetória musical de Salem está intrinsecamente ligada ao ex-Titãs. São 17 anos observando a forma agregadora como Antunes cria música. Arnaldo é quase incomparável ao unir universos do pop e do erudito, versos simples, mas capazes de fazer um ouvinte pensar por dias. Salem é seu braço direito, seu guitarrista, produtor do elogiado disco Ao Vivo no Estúdio e colaborador frequente.
Quando Arnaldo decidiu tirar um ano sabático, em 2015, Maior ou Igual a Dois tomou forma. Mas Salem já não era o mesmo daquele início dos anos 2000. Aprendeu a agregar. O novo disco é uma ode às amizades conquistadas ao longo do caminho. Reuniu canções e ideias de 2011 e 2012 e quase 50 músicos, entre instrumentistas compositores e cantores. Antunes, é claro, compôs com Salem quatro canções, mas o time ainda traz Zeca Baleiro, Luê, Luciana Barros, Fernando Catatau, Marcelo Jeneci, os portugueses Manuela Azevedo e Helder Gonçalves, integrantes do Bixiga 70, Karina Buhr, entre tantos outros.
Inevitável, contudo, é a temática. O amor – e, claro, o desamor – percorre as 14 canções do disco. Obsessão (Como Uma Canção), Fala Mal, Um Pouco ou Demais, Mudar de Ideia, são as quatro primeiras faixas do álbum, uma sequência e tanto para afagar o coração ou quebrá-lo de vez, como na ótima Eu Bem Sei. “O título do disco, Maior ou Igual a Dois, tem a ver com esses encontros e parcerias”, ele explica. “Mas também o lado da relação humana. Relacionamentos estão impressos nessas letras. É um tema que me interessa.”
Salem deixou São Paulo há três anos. Partiu em busca de paz e do verde, com a mulher e a filha. A vida, agora, tem a simplicidade dos versos cantados no novo disco, de certa forma, sem intempéries. “A vida estava muito tumultuada em São Paulo”, ele explica, por fim. A tranquilidade atual, no máximo, é abalada por uma missa fora de hora no coreto da cidade pequena.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.