Interessada na expansão do Brics, a China cedeu na tradicional posição contrária a mudanças no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas. O presidente Xi Jinping assinou, junto aos demais membros do bloco, um texto que pede uma "reforma abrangente" do órgão mais importante da ONU.
O Conselho de Segurança tem cinco membros fixos desde que foi criado, junto com a fundação da ONU, em 1945, no contexto do fim da 2ª Guerra Mundial: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China
A China é o membro do Brics que mais resiste a mudanças. Mas agora todos os países do grupo reconheceram a necessidade de tornar o conselho mais "democrático" e "representativo", além de apoiar as "aspirações legítimas" do Brasil, Índia e da África do Sul. Os três buscam uma vaga permanente no Conselho de Segurança.
"Apoiamos uma reforma abrangente da ONU, incluindo o seu Conselho de Segurança, com vista a torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente, e aumentar a representação dos países em desenvolvimento nos membros do Conselho para que possa responder adequadamente aos desafios globais prevalecentes e apoiar as aspirações legítimas dos países emergentes e em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina, incluindo o Brasil, a Índia e a África do Sul, a desempenhar um papel mais importante na assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo o seu Conselho de Segurança", diz o trecho da Declaração de Johannesburgo, assinada nesta quinta-feira, dia 24.
Embora o comunicado não mencione explicitamente o apoio ao pleito por um assento permanente no Conselho, diplomatas brasileiros dizem que houve significativos avanços, com inclusão de expressões mais fortes como democratizar a representação e aumentar países em desenvolvimento nos membros e ainda considerar legítimas a pretensão brasileira, indiana e sul-africana de atuar no conselho.
<b>Negociação</b>
A negociação foi extensa e houve resistência. Segundo um diplomata envolvido, foi preciso uma tomada de posição no mais alto nível político. Integrantes do Itamaraty consideram que houve, nesse quesito, uma "vitória brasileira nada desprezível", pois conseguiram fazer valer sua visão.
O <b>Estadão</b> apurou que negociadores chineses se sentiram pressionados, demonstraram nervosismo e queriam desvincular a expansão do Brics da reforma do Conselho de Segurança. Pretendiam encerrar as conversas no nível de ministros das Relações Exteriores e achavam inaceitável deixar pontos de negociação em aberto.
O Brasil adotou a estratégia de levar a questão para ser discutida no mais alto nível, entre os presidentes presentes na cúpula. O governo decidiu atrelar os dois assuntos e colocar na mesa aos chineses um apoio mais claro à pretensão do Brasil, de Índia e da África do Sul como contrapartida para que a expansão do Brics não fosse bloqueada.
Ao fim houve acordo. Mesmo assim, ela não saiu com o número total de países interessados, 23. Seis países conseguiram o convite para fazer parte do Brics a partir de 2024 – Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã.
"A presença, aqui, de dezenas de líderes do Sul Global mostra que o mundo é mais complexo do que a mentalidade de Guerra Fria que alguns querem restaurar. Em vez de aderir à lógica da competição, que impõe alinhamentos automáticos e fomenta desconfianças, temos de fortalecer nossa colaboração", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo um negociador, a versão retratada na Declaração de Johannesburgo é o gesto mais importante já obtido de Pequim a respeito do Conselho de Segurança.
Os dois documentos da cúpula, a Declaração de Johannesburgo e o guia de princípios e normas para expansão do Brics, mencionam o Conselho de Segurança e condicionam ainda os seis países que ingressam no bloco a apoiar a reforma.
Não há, porém, meios práticos de obrigar que a China e outros países historicamente contrários ao pleito brasileiro, como a Argentina, barrem a entrada do Brasil com vaga permanente. Se isso ocorresse, um embaixador explica que o Brasil poderia protestar e lembrar do compromisso assumido, como forma de pressão, mas nada além disso.
A intenção de obter um aceno chinês, segundo um embaixador, era deixar o Brasil bem posicionado e com o máximo de suporte possível, caso a reforma do Conselho de Segurança avance um dia. Dos dois membros plenos do Brics com assento no conselho, só a China nunca havia se manifestado a favor do Brasil. O apoio da Rússia já era garantido e vem sendo reafirmado.
Durante a 15ª Cúpula do Brics, Lula mencionou ao menos duas vezes problemas no Conselho de Segurança. Ele disse que os "órgãos multilaterais falham ao responder a ameaças à paz" e que a "guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança".
A China usava antes termos mais genéricos e nunca aceitou apoiar a candidatura brasileira, ao contrário, por exemplo, da Rússia, que manifesta apoio ao ingresso do Brasil de longa data.