Estadão

Cid fica em silêncio na PF sobre fraudes em cartões de vacinação

Braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid ficou em silêncio no depoimento à Polícia Federal na tarde desta quinta-feira, 18, no inquérito que apura se houve adulteração de carteiras de vacinação da covid-19. Ele se apresentou na superintendência da PF em Brasília, mas não respondeu aos questionamentos.

Na prática, ao decidir ficar calado, o ex-ajudante de ordens ganha tempo para alinhar a estratégia de defesa. As investigações apontam que ele tentou fraudar os cartões de vacina da mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, das três filhas e até mesmo o seu para entrar nos Estados Unidos no final de 2022. Também falsificado dados dos cartões do próprio ex-presidente e de sua filha caçula. O militar está preso preventivamente na Operação Venire, que tornou o caso público, no início de maio.

Mauro Cid foi pivô da investigação. O inquérito teve como ponto de partida a quebra do seu sigilo de trocas de mensagem, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no inquérito que apurou o vazamento de uma investigação sobre um ataque hacker aos sistemas da Justiça Eleitoral. A partir dessas mensagens, a PF passou a suspeitar que informações cadastradas nos sistemas do Ministério da Saúde tinham sido fraudadas para emitir certificados de imunização em nome de pessoas que não foram efetivamente vacinadas.

O objetivo da fraude, segundo o inquérito, seria burlar a exigência do comprovante de vacinação para viagens internacionais. As restrições sanitárias entraram em vigor no auge da pandemia.

<b>Bolsonaro</b>

Ao menos 17 pessoas são investigadas pela Polícia Federal na Operação Venire por suspeita de envolvimento no possível esquema de fraudes em dados de vacinação da covid-19. Entre eles, está ex-presidente Jair Bolsonaro, que prestou depoimento na última terça-feira, 16. Ele afirmou aos investigadores que nunca deu ordem ou autorização para falsificaram os registros de vacinação e que tampouco sabia da adulteração do seu próprio certificado e de sua filha. Mauro Cid seria confrontado com a versão do ex-presidente e era esperado que ele revelasse se foi recebeu algum pedido de Bolsonaro para emitir os certificados falsos.

<b>ConecteSUS</b>

A apuração da PF mostrou que a conta do ex-presidente no ConecteSUS estava vinculada ao e-mail funcional do coronel. A plataforma foi usada por um computador registrado no Palácio do Planalto para emitir os cartões falsos de vacina em nome de Bolsonaro. A PF identificou ainda um acesso ao perfil pelo celular de Cid, que deve ser questionado sobre esse login. O ex-presidente disse, também no depoimento prestado nesta semana, que não sabia usar o aplicativo e atribuiu ao ajudante de ordens a administração de sua conta. Cid seria questionado sobre a gestão do perfil.

<b>Conversas</b>

Os investigadores que trabalham no inquérito consideram que as provas reunidas até o momento contra Mauro Cid são robustas. Resta saber se ele vai implicar o ex-presidente. Cid vinha sendo defendido pelo criminalista Rodrigo Roca, que é próximo da família Bolsonaro, mas decidiu trocar de advogados antes do depoimento. O ex-ajudante de ordens seria confrontado também sobre as conversas encontradas pela PF em seu celular, que tratam abertamente sobre as fraudes.

<b>Família</b>

Antes da suposta fraude na caderneta de vacinação de Bolsonaro, Cid teria tentado falsificar o comprovante de vacinação da própria mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, em novembro de 2021. O cartão aponta duas doses supostamente aplicadas na cidade de Cabeceiras, que fica a cerca de 349 quilômetros da capital Goiânia. Entretanto, segundo investigação da PF, que cruzou os dados de geolocalização do celular dela, Gabriela estava em Brasília nas datas citadas no cartão, em agosto e novembro de 2021. O depoimento dela está marcado para amanhã, mas Mauro Cid já seria questionado sobre as fraudes envolvendo a família. Os investigadores afirmam que os cartões dele e das filhas também foram adulterados antes de uma viagem aos Estados Unidos.

<b>Envolvidos no esquema</b>

Mauro Cid deveria ser questionado também sobre os papéis do sargento Luís Marcos dos Reis e do segundo-sargento do Exército Eduardo Crespo Alves no esquema. Segundo investigação, o primeiro teria mobilizado o próprio sobrinho médico para preencher e carimbar o cartão falso em nome da mulher do ex-ajudante de ordens; enquanto o segundo teria ficado encarregado de tentar inserir os dados no sistema online.

Cid também deve ser perguntado sobre um terceiro membro no esquema: o advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes, também preso preventivamente. Ele é apontado pela Polícia Federal como uma espécie de operador das fraudes junto à prefeitura de Duque de Caxias. Ailton teria levantado lotes enviados ao Rio de Janeiro e cadastrado duas doses da Pfizer em nome de Gabriela. O advogado também conseguiu um cartão físico de vacinação. A PF acredita que ele tenha contado com a ajuda do ex-vereador Marcello Siciliano, que nega irregularidades.

Por fim, o depoimento deveria trazer luz ao papel de um quinto envolvido, o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha, que teria feito as alterações no sistema do Ministério da Saúde, segundo investigação.

<b>Lavagem de dinheiro</b>

A PF também planejava pedir explicações do tenente-coronel sobre as movimentações na conta bancária que ele mantém nos Estados Unidos. Ele está sendo investigado por lavagem de dinheiro. Os policiais encontraram US$ 35 mil e R$ 16 mil em espécie quando fizeram buscas na casa do ex-ajudante de ordens na Operação Venire.

<b>Plano de golpe</b>

Mauro Cid seria perguntado também sobre o plano de golpe descoberto pela PF a partir das conversas entre o ex-major do Exército Ailton Barros e o coronel Elcio Franco.

Bolsonaro já deu sua versão: afirmou que mantinha conversas esporádicas com Ailton Barros e que essa aproximação acontecia sobretudo em momentos eleitorais, mas negou ter tomado conhecimento de pautas antidemocráticas. Ele também declarou que nunca participou ou orientou qualquer investida contra as instituições democráticas.

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