O cineasta Fellipe Barbosa dirigiu o premiado Casa Grande, lançado no ano passado, uma recriação ficcional da derrocada financeira da sua família, o documentário Laura, sobre uma imigrante argentina falida que vive em Nova York entre o glamour das festas de celebridade e seus problemas bipolares, e alguns curtas, entre eles La Muerte es Pequeña e Beijo de Sal. Agora, ele se prepara para enfrentar o seu maior desafio por trás das câmeras: refazer parte da viagem que um amigo de infância, Gabriel Buchmann, realizou por alguns países africanos com objetivo de pesquisar a pobreza de perto e se munir para um doutorado de economia em políticas públicas na Universidade da Califórnia (UCLA), nos Estados Unidos, mas que terminou de forma trágica com sua morte.
Gabriel tinha estudado desde a primeira série do ensino fundamental com Fellipe Barbosa, no Colégio São Bento, que foi um dos cenários do filme Casa Grande. Encontraram-se na faculdade, no curso de Economia, da PUC no Rio, mas o diretor foi para os Estados Unidos cursar cinema (chegou a fazer mestrado na Universidade de Columbia, em Nova York). “Os amigos economistas de Gabriel não entendiam a sua decisão de estudar a pobreza em lugares pobres, como a África. Eles achavam que a pobreza não tinha nada a ver com o pobre”, explica o diretor.
Antes de entrar no doutorado na UCLA, Buchmann resolveu fazer uma longa viagem por alguns países africanos, em 2009, e conhecer a realidade do continente mais pobre do mundo. Parte da rota que economista percorreu será refeita durante as filmagens de Gabriel e a Montanha por uma reduzida equipe que o diretor levará para a África – ele viaja hoje e, nas próximas dez semanas, filmará nos lugares por onde Gabriel passou. “Vamos percorrer quatro países, quase 5 mil km, em que ele esteve, com onze pessoas, incluindo eu e os dois atores principais do filme, João Pedro Zappa, que viverá Gabriel, e Caroline Abras, que faz a namorada dele, Cris”, diz o diretor.
Depois de quase um ano viajando pela África, convivendo com nativos, subindo montanhas e gastando por volta de US$ 2 por dia, Gabriel Buchmann, que já tinha escalado o lugar mais elevado da África, o Kilimanjaro, no norte da Tanzânia, resolveu subir o Monte Mulanje, no Malawi, no início de julho de 2009, e nunca mais desceu. O corpo do jovem só foi encontrado 22 dias depois, por duas pessoas que estavam procurando uma planta local que é usada para fazer vassouras.
Gabriel estava entre aquelas folhagens, numa espécie ninho improvisado, e havia morrido de hipotermia. “Ele subestimou a subida por já ter feito escaladas mais difíceis. Ignorou que as mudanças no clima naquele lugar são muito bruscas. A montanha é envolta em mistérios, houve várias pessoas desaparecidas. Dizem que o escritor Tolkien se inspirou no Monte Mulanje para criar a saga do Senhor dos Anéis”, conta Fellipe.
Em 2007, o diretor foi para Uganda participar de um workshop de montagem num curso que a cineasta indiana Mira Nair ministrava. Com o fim das aulas, ele passou três meses para conhecer todo o país. Voltaria ao continente em 2011, para ministrar outro workshop no mesmo lugar, agora de roteiro, e para refazer parte dos lugares por onde Gabriel havia percorrido, já com a ideia do projeto do filme.
O roteiro do filme é baseado nas trocas de e-mails entre Gabriel e sua família e com a namorada, Cris, que passou um tempo com ele na África, nas anotações dele, nas fotos que ele tirava dos locais e das pessoas que ia conhecendo (a câmera dele foi encontrada junto com seu corpo) e nas conversas que o diretor foi tendo com a família do economista e com os amigos em comum da época do São Bento.
A última visita que Fellipe Barbosa fez à África, em 2015, foi com um único objetivo: de procurar as pessoas que Gabriel conheceu. “Não nutria esperança de encontrar todas elas. Havia passado alguns anos e aquela região, por ser muito pobre, tem um alto índice de mortes”, diz o diretor. “Mas extraordinariamente encontrei todas elas vivas e com saúde.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.