O filme <i>A Última Floresta</i> terá uma sessão carregada de simbolismo na quinta-feira, dia 16: o longa de Luiz Bolognesi será exibido às 20h com entrada gratuita nas duas salas do Espaço Itaú de Cinema Anexo, a 4 e a 5. Quando as luzes se apagarem, não voltarão a ser acesas por um bom tempo – ou mesmo para sempre. É que serão as últimas sessões do espaço, que será fechado – o imóvel foi vendido para a incorporadora Vila 11 e deve ser demolido para abrigar um prédio comercial. "Serão as penúltimas porque as últimas sessões só acontecerão com o fim do mundo. Um cinema jamais é fechado na memória de seus espectadores", corrige, em uma mistura de saudosismo e desilusão, o administrador do espaço, Adhemar Oliveira.
O imóvel, que ocupa o número 1.470 da Rua Augusta, tem de ser entregue até o dia 28, o último de fevereiro. Assim, depois das sessões do dia 16, começa a desmontagem, com retirada de telas, cadeiras, projetores, elevador, aparelhos de ar-condicionado. Também o Café Fellini, instalado próximo da bilheteria, terá de ser desmontado e funcionará até o domingo, 19, apesar de todo o esforço de sua proprietária, Silvia Oliveira – em setembro do ano passado, ela elaborou um abaixo-assinado contra o fechamento, que já reúne mais de 50 mil assinaturas em favor do local que prima pelo jardim a céu aberto e menu de doces e salgados. A sede, que abriga três salas maiores e se localiza do outro lado da Rua Augusta, está preservada.
<b>INQUÉRITO</b>
Foi aquele documento, entre outras manifestações, que despertou a atenção do Ministério Público do Estado de São Paulo – que decidiu abrir, na semana passada, um inquérito civil com a intenção de barrar a demolição. O órgão aponta para o risco ao patrimônio histórico e cultural provocado pelo fechamento do cinema, tradicional espaço da cinefilia paulistana. O documento também questiona a omissão do Conpresp, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, em apreciar o pedido de tombamento do endereço. Foi solicitado também que a incorporadora Vila 11 apresentasse o projeto da obra que pretende construir no local.
"Esse inquérito faz, de uma certa forma, o retrospecto do que foi o trabalho realizado aqui – é a sociedade civil se manifestando contra a perda de um espaço cultural", comenta Adhemar, que inaugurou o Anexo em março de 1995 em um sobrado bem à frente da sede, o Espaço Augusta, que foi aberto em outubro de 1993 – na época, patrocinado pelo Banco Nacional. O sucesso de ambos vem da oferta de filmes de diversas cinematografias mundiais, contrastando com o cinema americano, que praticamente dominava sozinho o mercado.
"O filme que inaugurou a sede foi O Banquete de Casamento, do Ang Lee, que fez sucesso e nos encorajou a arriscar com longas como O Cheiro da Papaia Verde, que se passa no Vietnã e também foi bem recebido pelo público", relembra Adhemar Oliveira, que logo ficou interessado em ter outras salas, menores que as três da sede, para abrigar longas mais experimentais, além de projetos de formação de público. "Certo dia, eu estava com o cineasta Carlos Reichenbach na sede quando ele observou que aquele espaço, onde antes era sede do Instituto Goethe, estava para alugar", lembra Oliveira. "Ele me incentivou a ir atrás, pois eu já planejava aumentar o Espaço."
Com uma infraestrutura perfeita (e aprovada pelo Corpo de Bombeiros), a área revelou-se ideal para receber as salas 4 (88 lugares) e 5 (33 lugares). "Tanto a sede como o anexo são convidativos para o público, pois permitem o acesso para uma área de convívio, independentemente de a pessoa querer assistir ou não a um filme – tanto que o ingresso só é recolhido no fundo dos espaços."
<b>CURTAS</b>
O cinema incentivou a revitalização da Rua Augusta. O comércio do seu entorno, como lojas, bares e restaurantes, foi estimulado pelo expressivo número de frequentadores das cinco salas. Também ajudou a promover a formação de público por meio de cursos e projetos como Escola no Cinema, Sessão Cinéfila, Clube do Professor e Curta às Seis, que deu projeção aos curtas-metragistas. "Com o tempo, o público perdeu o medo de circular na região", atesta Oliveira, que recebeu a prioridade de compra do imóvel. O valor, no entanto, de R$ 9 milhões, revelou-se salgado demais para quem acabara de sair de uma pandemia. "Durante o isolamento, não demitimos ninguém, mesmo com o cinema fechado."
Os funcionários do Anexo deverão ser incorporados ao grupo da sede, que pode ainda receber uma possível ampliação do ambiente do Café Fellini. Adhemar Oliveira aguarda por uma definição do inquérito civil aberto pelo MP, que tanto pode retardar a demolição do espaço como impedir a destruição. "É triste fechar qualquer equipamento cultural, especialmente uma sala de cinema", comenta ele, que passou pela experiência com o fechamento do Cine Vitrine, em 2006.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>