Os dois encontros ocorreram, em 1968, no Rio de Janeiro, quando Clarice tinha 48 anos de idade. Ela estava, havia uma década, separada do diplomata Maury Gurgel Valente, com quem havia se casado e tivera dois filhos. Já, então, havia publicado obras traduzidas para dez idiomas, como “Perto do Coração Selvagem”, “A paixão segundo G.H.”, e, “Laços de família”, iniciando-se, assim, a internacionalização de sua obra, expandida nos anos seguintes. A ponto de, há poucos dias, Ancelmo Gois, colunista de O Globo, ter divulgado declaração da educadora e escritora norte-americana Erica Jong – cujos livros já alcançaram a vendagem de 40 milhões de exemplares, no mundo todo -, segundo a qual Clarice “foi uma grande inspiração” para ela.
Chico, havia dois anos, casado com Marieta Severo. Tinha, na ocasião, exatamente a metade da idade de Clarice. Mas já carregava a responsabilidade de ser “unanimidade nacional”, como o chamava Millor Fernandes, desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta, tradutor e jornalista carioca, tal era a amplidão da paixão que despertava entre os brasileiros. Aos 21 anos, havia musicado o poema “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto; no ano seguinte, vencera o festival da TV Record, com “A Banda”, e, a música repercutiu no País todo. Até Carlos Drummond de Andrade a festejou, numa crônica. Chico tinha gravado quatro álbuns com 46 músicas suas. E seu lirismo comovia. Tinha dado mostra de compreender o universo feminino em composições como “A Rita”, “Com açúcar e com afeto”, “Morena dos olhos d´água”.
Os dois encontros foi a própria Clarice quem registrou, em textos publicados no Jornal do Brasil e na Revista Manchete.
Além daquela, esta outra pergunta vem cegando pesquisadores para a relevância destes textos: Chico Buarque amarelou, com medo da intimidade com Clarice?
Duas perguntas, obviamente, idiotas. Mas só delas se ocupou quem escreveu sobre os registros deixados por Clarice. Pois, Chico não contou, em entrevistas, que evitou ficar sozinho com Clarice, num destes encontros, quando ela o convidou para jantar em sua casa? Ele levou consigo o poeta Vinicius de Moraes e o cronistas Carlinhos de Oliveira.
Em resumo, na cultura sexista brasileira, é importante saber se Clarice era uma loba devoradora de jovens bonitos, e, se Chico tinha medo de mulher madura. Menosprezando-se o fato de que, hoje, 43 anos depois de sua morte, Clarice seja respeitada como uma das maiores escritoras do século XX. E o de que Chico era para Antônio Cândido, mestre da Literatura Brasileira, “uma grande consciência inserida num enorme talento”.
(Na ilustração: foto de Clarice Lispector, uma das maiores escritoras do século XX)