Do México à Sérvia, da Colômbia à Bulgária, autoridades e polícias revelam uma realidade sombria do futebol: a transformação de clubes em instrumentos para a lavagem do dinheiro obtido com o tráfico de drogas. Documentos obtidos pela reportagem a partir de investigações na Europa e nos Estados Unidos apontam que organizações criminosas e cartéis têm se usado do esporte como um mecanismo para legitimar a renda ilegal.
Em novembro, a Justiça norte-americana colocou o presidente de um clube da primeira divisão da Colômbia, o Envigado, na lista das pessoas procuradas por fazer parte de cartéis da droga. Segundo os documentos, o clube era usado pelo dirigente para lavar o lucro do narcotráfico. Foi no Envigado que James Rodríguez, artilheiro da Copa do Mundo do Brasil, foi revelado em 2007, com apenas 15 anos.
Em 2011, a Justiça da Colômbia revelou como US$ 1,5 bilhão do narcotráfico haviam sido lavados por vários clubes, entre eles o Independiente Santa Fé, de Bogotá.
A história do futebol colombiano se confunde com o fortalecimento dos cartéis, principalmente a partir dos anos 80. Na época, o chefe do Cartel de Medellín, Pablo Escobar, investiu milhões no Atlético Nacional. No final daquela década, o time venceria a Copa Libertadores.
O problema também é comum no México. Em fevereiro do ano passado, o cartola Tirsco Martinez foi preso em sua casa em León, usando outro nome. As autoridades norte-americanas chegaram a oferecer US$ 5 milhões para quem desse pistas do paradeiro do traficante. Segundo a investigação, entre 2000 e 2003, Martinez “importou, transportou e distribuiu cerca de 76 toneladas de cocaína no mercado norte-americano”.
Mas ele também era o responsável por “organizar a lavagem e envio de milhões de dólares das drogas ao México. Para isso, ele usava três clubes: Atletico Celaya, o Irapuato FC e o Querétaro, time que contratou Ronaldinho Gaúcho.
Em 2004, a Federação Mexicana tentou limpar o esporte e dissolveu o Querétaro e o Irapuato. Outros clubes que estariam sendo usados pelo narcotráfico, segundo a investigação, são Necaxa, Santos Laguna, Puebla e Salamanca.
ASSASSINATOS – Mas o envolvimento da droga no futebol não se limita à América Latina. Em 2012, uma operação na Itália contra a Máfia revelou que times de divisões inferiores eram usados para lavar dinheiro. A Ndrangheta, máfia que atua na Calábria, teria usado dois clubes da região de Salerno, no sul da Itália – o Cittanova Interpiana e o Sapri Calcio – para transferir seus recursos da droga. Os times, das divisões inferiores, tiveram todos seus recursos confiscados e tentam recomeçar do zero.
No ano passado, quando a polícia italiana fechou o cerco contra um dos chefes da Máfia, Francesco Pesce, descobriram que ele também controlava o time do Rosarnese e que acabou ficando sem “patrocinador”. “Chefes da máfia são executivos de clubes, influenciam o esporte e usam o futebol”, declarou Pierpaoli Romani, autor do livro Calcio Criminale.
Segundo ele, a Máfia está interessada principalmente nos clubes italianos da Série C e D, onde a visibilidade é menor em termos da imprensa nacional. Mas, ainda assim, garante um ingresso a um mundo legalizado. Romani, porém, conta como a Lazio e o Palermo foram alvos de uma tentativa da Máfia de entrar na primeira divisão.
No Leste da Europa, nos anos 90, em plena guerra nos Bálcãs, paramilitares sérvios usavam o futebol para lavar dinheiro da droga. O que as investigações hoje apontam é que o fenômeno ainda perdura e atinge toda a região. Clubes da Albânia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina têm sido alvo de frequentes investigações.
Na Bulgária, 15 cartolas da primeira divisão foram assassinados em 10 anos, muitos deles em acertos de contas por disputas do controle do tráfico. Na Ucrânia, as autoridades apontam que dois clubes servem de base como “sede de gangues do crime organizado”. Um deles é o Zakarpattya que, em uma ação da polícia, encontrou 36 homens armados dentro da dependência do clube e relacionados com o tráfico de drogas.
Um documento da Financial Action Task Force, entidade ligada à OCDE em Paris, confirma a suspeita das polícias: “o futebol é usado como veículo para perpetuar outras atividades criminais”, entre elas o comércio ilegal de drogas.
Segundo o estudo, a falta de controle sobre clubes, a falta de exigência de resultados, a falta de transparência e o dinheiro movimentado pelas equipes são elementos fundamentais para entender os motivos pelos quais cartéis escolheram o futebol para lavar dinheiro.
Mas o futebol não seria apenas usado por traficantes para fins financeiros. Para muitos, se transformar em cartola seria também um meio de entrada na sociedade de forma legítima. “O esporte pode ser um caminho para que criminosos se transformem em celebridades ao associar com pessoas famosas e entrando em círculos poderosos dentro da sociedade estabelecida”, indicou a OCDE. Um ingresso à sociedade com um elevado preço para o futebol e, principalmente, para a guerra contra as drogas.