Os clubes brasileiros de futebol devem ganhar nos próximos meses mais uma fonte de receita com a regulamentação das chamadas loterias de quotas fixas, as apostas esportivas. No último dia 18, um decreto do presidente Jair Bolsonaro (10.467/2020) autorizou empresas privadas a explorarem essas loterias. O texto prevê que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) crie regras e diretrizes para a existência do negócio. Ainda não há um prazo para essa regulamentação, mas especialistas nessa área acreditam que esse processo deve levar em torno de dez meses.
De acordo com a Lei nº 13.756, sancionada em 12 de dezembro de 2018, os clubes brasileiros de futebol têm direito a 3% do volume arrecadado nesse tipo de aposta, sendo que 2% vem das apostas feitas em locais físicos e 1% de maneira online. Com as regras, estima-se que esse mercado possa vir a movimentar até R$ 10 bilhões somente no primeiro ano de atividade. Ou seja, isso renderia aos clubes de futebol cerca de R$ 300 milhões.
Um estudo feito pela FGV estimou, em 2018, que esse tipo de aposta movimentou R$ 4 bilhões – quantia que não trouxe nenhum retorno a entidades esportivas. Há cerca de 500 sites de apostas online que oferecem jogos brasileiros. As plataformas são registradas no exterior e operam por aqui sem tributação e regulamentação. Em outros países, esse tipo de jogo segue a legislação e já movimenta bilhões. "Na Itália a arrecadação com apostas esportivas chega a US$ 34 bilhões (R$ 190 bilhões), na França, US$ 16 bilhões (R$ 89 bilhões). Nos Estados Unidos, só em Nova York, US$ 9 bilhões (R$ 50 bilhões)", afirma o advogado Pedro Trengrouse, professor da FGV.
A falta de regulamentação no Brasil já levou milhares de apostadores a ficarem sem receber prêmios porque bancas não honraram apostas nos resultados da 13ª rodada do Campeonato Brasileiro em 2017. Em 2007, uma investigação da Polícia Federal levou à anulação de 11 partidas do Nacional por manipulação de resultado.
O advogado Angelo Alberoni está há dez anos neste mercado. Atualmente ele trabalha como gerente de negócios do site de apostas esportivas Betmotion. A página está hospedada em Curaçau, com escritório no Uruguai. "O jogo no Brasil ainda é visto de forma marginalizada, enquanto em quase todos os outros países ocidentais já é regulamentado", afirmou. "Acredito que esse pedido de urgência do decreto agilize isso. Mas por causa da pandemia pode ser que demore mais um pouco", prosseguiu.
Funcionário da Caixa por mais de 30 anos, responsável pela gerência de novos produtos de Loterias, Raymundo Wilson disse que as apostas no Brasil demoraram para se atualizar. "Já tem um bom tempo que está atrasado. A própria Caixa já previa entrar com essa modalidade (apostas esportivas). Mas a exemplo da loteria instantânea, que virou a Lotex, estão trabalhando para abrir a concessão de empresas privadas e realizar concorrência", disse.
PRIVATIZAÇÃO DOS JOGOS – A privatização das loterias da Caixa é outro tema que clubes e entidades estão de olho. A Medida Provisória 995, de 7 de agosto, é o primeiro passo para tirar do governo o controle desse tipo de aposta. O presidente da Fenaclubes, a Confederação Nacional dos Clubes, Arialdo Boscolo, teme que seja o início para uma mudança na porcentagem de repasse às instituições.
Segundo dados da Caixa, as loterias federais repassaram mais de R$ 1,2 bilhão para entidades esportivas em 2019. Além da Fenaclubes, se beneficiam o Ministério do Esporte, clubes de futebol, o Comitê Olímpico do Brasil, o Comitê Paralímpico do Brasil, o Comitê Brasileiro de Clubes, secretarias estaduais de Esportes, a Confederação Brasileira de Desporto Escolar e a Confederação Brasileira de Desporto Universitário. Além disso, há repasse para cultura, segurança, seguridade, saúde, entre outros. No total a loteria pagou R$ 16,7 bilhões a todas entidades no ano passado.
O ex-presidente Michel Temer, em 2018, criou uma medida provisória para tentar diminuir o repasse desses valores para o esporte. A tentativa uniu atletas, ex-atletas e dirigentes, que conseguiram a elaboração de uma nova medida provisória para invalidar a anterior. A tendência é que essa discussão retorne com a privatização.