Estadão

Câmara discute temas de Constituinte

Desde 1998, quando participou pela primeira vez de uma comissão criada pela Câmara dos Deputados para debater reforma política, o pesquisador Jairo Nicolau se vê diante da proposta de o Brasil trocar seu atual sistema eleitoral, que hoje funciona de forma proporcional, pelo chamado distritão. "Mas é inacreditável que o Brasil, numa hora dessas, com tantos desafios, esteja tentando aprovar o pior sistema eleitoral do mundo", disse, nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Para Nicolau, fora a simplicidade do modelo (no distritão são eleitos os deputados mais votados por Estado, descartando-se os votos na legenda), não há qualquer virtude na troca. "Não fortalece partidos, não aumenta a legitimidade eleitoral, não torna as eleições mais baratas. Só beneficia os políticos que o defendem."

Ele avalia ainda que temas como sistema eleitoral, voto facultativo e candidatura avulsa – todos atualmente em debate – deveriam ser tratados por uma Assembleia Constituinte e com participação popular, o que não é o caso das discussões de agora na Câmara.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

<b>O Brasil precisa de uma nova reforma político-eleitoral?</b>

Todo país pode discutir suas instituições, seu pacto social. O Chile está passando por isso, é natural. Mas não pode ser feito dessa forma, com deputados que não são especialistas no tema, sem audiências públicas e com essa agenda. Os temas tratados são dignos de uma Constituinte. E olha que as Constituintes de 1946 e 1988 não mexeram em nada disso, mantiveram a representação proporcional, a desigualdade da representação dos Estados na Câmara, o voto obrigatório. São escolhas que têm a ver com a nossa cara como democracia, como República.

<b>O distritão também voltou a ser cogitado. Qual sua opinião?</b>

É o tipo de solução para um problema que ninguém apresentou. Preferência por sistema eleitoral não é como preferência por um tipo de filme. Eu gosto de western, outros gostam de filme romântico. Não é assim que funciona. Vamos agora entrar no sistema de comédia pastelão? A gente tem uma escolha institucional que pode não estar funcionando, mas, dentro do cardápio de sistemas eleitorais testados no mundo, esse ou aquele são soluções para resolver tal problema. E o distritão resolve qual problema?

<b>Uma das alegações é a de que é um sistema mais simples.</b>

Sim, ok, é um sistema mais simples, mas o sistema proporcional funciona desde 1945. Todas as legislaturas da Câmara antes, durante a ditadura e depois foram eleitas nesse modelo. Quantas vezes algum deputado reclamou da complexidade? Cada um faz as suas contas e nunca o tema da simplicidade apareceu. E por quê? Porque fora a simplicidade não há nenhum tipo de virtude no distritão. Não fortalece partidos, não aumenta a legitimidade eleitoral, não torna as eleições mais baratas. Só beneficia os políticos que o defendem.

<b>Os partidos seriam prejudicados com essa troca?</b>

O cenário é tenebroso do ponto de vista partidário. O distritão estimula o hiperindividualismo político, o que é péssimo. O deputado passa a ter grande autonomia, pode negociar apoio direto com o presidente, com suas bases, sua igreja. Tudo isso sem depender de partidos, de colegas. Esse, sim, pode ser o primeiro passo da candidatura avulsa. Vão querer copiar o modelo do Chile, mas o modelo de lá é para uma Constituinte.

<b>Que foi instalada por pressão popular…</b>

Sim. Aqui não temos nada disso. Essa reforma não tem base em nenhum movimento popular ou partidário. Nenhum partido tem posição clara sobre sistema político-eleitoral. Aí, chega lá uma meia dúzia de deputados interessados nessa engenhoca, nesse retrocesso que é o distritão, e conseguem empurrar essa troca no meio de uma tarde chuvosa em uma votação relâmpago. Aprova-se essa aventura e depois joga a decisão para o Senado.

<b>O senhor vê possibilidade de a proposta ser aprovada?</b>

Desde que me entendo por cientista político, isso em meados de 1998, participo de todas as comissões organizadas na Câmara para estudar reforma político-eleitoral. Em geral, elas não vão muito longe, mas a última, quando não esperava nada, aprovou o fim das coligações proporcionais. Nunca acreditei que as coligações um dia iriam acabar. Até hoje não sei como aprovaram. A Câmara tem uma obsessão por reforma política. Estou preocupado porque pode ser um passo atrás, um atraso completo.

<b>Depois de aprovar o fim das coligações e a cláusula de barreira, mexer nas regras de novo seria um erro?</b>

Com o fim das coligações demos um passo muito importante para termos um sistema mais eficiente, com um quadro mais enxuto de partidos. E olhe, estamos vendo já um movimento esperado por essa reforma: veja que o deputado Marcelo Freixo e o governador Flávio Dino anunciaram que estão indo para o PSB, que virou a bola da vez. O PSD se incorporou também, assim como o PSDB também vai. Os partidos menores vão penar porque vão ficar sem recursos. A última reforma é boa. Nunca esperei isso, mas é. Cláusula de desempenho e fim das coligações. Estamos no melhor dos mundos. É preciso deixar decantar essas reformas para que elas produzam os efeitos desejados.

<b>O senhor já disse que o distritão é o pior sistema do mundo. Por quê?</b>

Foi feita uma consulta a cientistas políticos do mundo inteiro – fiz um artigo sobre isso – para classificar os sistemas eleitorais. O distritão foi o mais rejeitado. É um sistema do século 19, temos de ser enfáticos no retrocesso que significaria. O único país relevante que usa é o Iraque. Não precisa falar mais nada, é um país onde não há partidos. E aqui existe essa obsessão pelo pior sistema eleitoral do mundo numa hora em que esse debate não está sendo feito com a sociedade, com a academia e nem sequer com os partidos, que estão preocupados é com 2022.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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