Parlamentares se movimentam para colocar em pauta um projeto de lei para reabrir a discussão em torno do Marco Legal do Saneamento, menos de três anos depois de as regras entrarem em vigor. A articulação conta com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Os defensores do novo debate argumentam que alguns conceitos da lei já estariam defasados e que seria necessário evitar "instabilidades" como as geradas pelos dois decretos editados no último dia 5 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Criticados pela própria base de apoio do governo no Congresso, os atos alteraram a regulamentação do setor e deram espaço para a manutenção dos contratos fechados sem licitação com estatais. Vários parlamentares já apresentaram projetos para derrubá-los em parte ou integralmente, além de ações no Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas não são apenas as críticas aos decretos que alimentam o movimento – elas foram, na verdade, usadas para reforçar a reação no Congresso. Um forte catalisador é a insatisfação do próprio Lira com a situação em municípios de seu reduto político em Alagoas – governado por Paulo Dantas, sucessor de Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes de Lula cujo clã político rivaliza com o de Lira no Estado.
<b>Regras do atual marco travam projeto de Lira para leilão em Alagoas</b>
Um dos principais problemas para Lira, segundo interlocutores, está na tentativa de viabilizar o leilão do Corseal, consórcio criado em janeiro de 2022 com 28 municípios alagoanos – entre eles, Arapiraca – que não entraram nos blocos de regionalização de água e esgoto formatados pelo governo do Estado. Muitos optaram por ficar de fora por questões políticas, já que as unidades regionais e seus respectivos leilões de saneamento foram organizados pela gestão de Renan Filho.
As regras atuais só reconhecem consórcios de municípios como formas de regionalização quando o governo estadual não tomou a iniciativa de montar blocos de saneamento – o que não é o caso de Alagoas. Há ainda dúvidas jurídicas por Arapiraca, reduto eleitoral de Lira, integrar uma região metropolitana.
O incômodo levou o deputado a defender a revisão da lei publicamente já em 15 de março, antes da publicação da nova regulamentação pelo governo. Na quinta-feira passada, em entrevista à GloboNews, ele voltou ao tema: "A gente promoveu os principais leilões nas mãos dos governos estaduais, e isso causou problemas em regiões de consórcios, metropolitanas e de outras áreas. Precisa ajustar", disse Lira. O impasse mexe com prefeitos aliados e tem repercussões políticas para o presidente da Câmara.
A possibilidade de a lei ser rediscutida gera apreensão no mercado, que teme mais judicialização e volta do fortalecimento de estatais. Quando foi aprovado, em 2020, o marco foi visto como um instrumento para atrair investimentos de empresas privadas para o setor.
<b> Atualização </b>
Apesar disso, a avaliação feita por uma ala do Congresso é de que, apesar de ser robusto e ter pilares inegociáveis, como a exigência de licitação, o marco precisaria ser "atualizado". Outra justificativa dada é a necessidade de fortalecer na lei regras que foram alvo de afrouxamento na regulamentação federal. É o caso da norma de comprovação de capacidade econômico-financeira das empresas. A lei definiu que as estatais teriam de comprovar até março de 2022 que têm cacife para fazer os investimentos necessários à entrega dos serviços de água e esgoto canalizado para toda a população até 2033. Nesse processo, mais de mil municípios atendidos por estatais ficaram de fora.
Os decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deram uma segunda chance a essas operações das estatais e prorrogaram o prazo de regularização até 31 de dezembro de 2025, a apenas oito anos da data final para a universalização. Além disso, flexibilizaram critérios para a comprovação da capacidade econômico-financeira.
Na visão do mercado, contudo, há problema em reabrir a lei menos de três anos após sua aprovação. O setor ainda está consolidando as regras e observa resultados. De acordo com a Abcon, que congrega os operadores privados, já foram R$ 89 bilhões em investimentos contratados pelas empresas nos últimos três anos. A análise feita é de que, apesar da boa intenção de parte do Congresso, uma nova discussão legal abriria espaço para retrocessos entrarem no novo texto, como a prorrogação ainda maior de prazos de universalização.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>