O Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta terça-feira, 14, aplicar ao juiz Rubson Marcos, ex-titular da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, uma pena de advertência – a punição mais leve prevista na Lei Orgânica da Magistratura. O magistrado foi o condutor de audiências na qual o advogado Cláudio Fastão da Rosa Filho, que representa o empresário André Camargo Aranha, humilhou a influenciadora Mari Ferrer.
Três conselheiros chegaram a defender a improcedência do procedimento administrativo disciplinar contra Marcos – Richard Pae Kim, Giovani Olsson e Jane Granzoto Torres da Silva. Depois, eles concordaram com a aplicação da advertência ao magistrado
A pena mínima foi a escolhida sob o argumento de que o juiz não tem, em seu histórico, nenhum processo disciplinar, segundo indicou a relatora Salise Sanchonete. O Ministério Público chegou a pedir a remoção compulsória do magistrado, mas a conselheira considerou que tal medida seria inócua , considerando que o magistrado deixou a vara criminal voluntariamente .
Antes de o CNJ decidir apurar o caso, a Corregedoria local apenas alertou em forma privada o magistrado sobre a necessidade de proceder de forma mais enérgica nas audiências , coibindo o abuso de direito de defesa ou acusação.
Ao analisar o mérito do PAD, a avaliação do colegiado foi a de que o magistrado foi omisso em frear as falas desrespeitosas à vítima, desconectadas dos fatos em apuração na ação penal, com incursão na vida privada da vítima . Salise destacou como os questionamentos descabidos de Rosa Filho, não coibidos por Marcos, nem tardiamente, violaram a dignidade de Mari Ferrer.
Para o CNJ, o juiz assistiu passivamente ao advogado, sem a adoção de qualquer cautela ou censura às declarações jocosas e perguntas grosseiras do mesmo. Rubson Marcos chegou a alegar que fez 37 intervenções nas audiências, mas a relatora apontou que houve apenas 23 intervenções – 11 à vítima, oito ao advogado e quatro a ambos – sendo que a maioria delas não dizia respeito ao tratamento da vítima.
Segundo Salise, o procedimento foi dominado pelo defensor de Aranha e configurou violência institucional, vez que a vida da vítima foi escrutinada e tentou-se retirar a credibilidade da vítima em razão de poses de fotografia . O magistrado buscava evitar nulidades no processo, ainda que a dignidade da vítima tivesse sido abalada , anotou a conselheira.
A conselheira apontou a equivocada compreensão do juiz sobre o papel do magistrado na presidência de uma audiência relacionada a crimes contra a dignidade sexual . Além disso, destacou o tratamento diferenciado entre as partes: enquanto o magistrado deixou de repreender o advogado pelos questionamentos desrespeitosos, chamou a atenção e advertiu a vítima em diversos momentos das audiências.
<b> Posições ginecológicas </b>
As imagens da audiência de instrução do processo de estupro de Mari Ferrer foram divulgadas em novembro de 2020 pelo site The Intercept. Nelas Claudio Gastão Filho chega a dizer que a influenciadora tem como ganha pão a desgraça dos outros .
"… Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você. E não dá para dar o seu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no Instagram depois para ganhar mais seguidores. Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem".
Ao longo da fala, o juiz que conduziu a audiência diz que se tratavam de alegações , mas não impede a fala do defensor de Aranha.
Na sentença em que absolveu o empresário André Camargo Aranha da acusação de estupro de vulnerável, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, escreveu: "As provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente ".
Gastão Filho chegou ainda a mostrar fotos da influenciadora falando em posições ginecológicas . "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo", diz ainda o advogado.
Em seguida, o promotor que acompanha o caso afirma: "Mariana, se quiser recompor aí, tomar uma água, a gente suspende, tá".
O caso levou à edição da lei Mari Ferrer, em novembro de 2021. A norma pune atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos .