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Coalizões de empresários e ONGs tentam salvar País de fiasco na COP

Uma agenda para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia. Um conjunto de estratégias jurídicas para combater crimes ambientais. Um modelo de mercado de crédito. Todas iniciativas do Brasil a serem apresentadas em Glasgow, a partir de hoje, na Cúpula do Clima, a COP-26. Mas nenhum desses programas foi desenvolvido com a participação do governo ou faz parte do escopo dos planos oficiais.

Quando seus responsáveis sentarem com representantes de delegações, universidades e entidades estrangeiras, o que estará na mesa não será o Brasil da gestão Jair Bolsonaro, isolado politicamente, mas o da sociedade civil. Ou seja, cientistas, empresários, governadores, prefeitos, representantes de órgãos ambientais, ONGs, lideranças indígenas e do movimento negro.

Mas não só. O mercado e o setor produtivo colocaram de vez os pés na transição para outro modelo de economia, mais verde e limpa: uma amostra será o desfile de CEOs. Credenciados pelo Conselho Empresarial Brasileiro Para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), segundo a própria entidade, estão os de empresas como a Neoenergia, Bayer, DSM, Natura e BRF, além de conselheiros de bancos como o Itaú e a liderança da Microsoft Philanthropies Brazil.

O governo federal terá representantes na COP: cerca de cem membros, chefiados pelo Ministério do Meio Ambiente e com equipe da diplomacia. Mas, diante de falhas da gestão Bolsonaro em negociações dessa área, a sociedade civil decidiu tomar a frente dos debates, com receio de pouco empenho ou opções erradas do governo.

<b>Parcerias</b>

"Combater ilegalidades e crimes ambientais precisa do Estado. Mas, na ausência do governo federal estamos pautando essa questão", diz a cientista política Ilona Szabó, do Instituto Igarapé, que se reunirá com autoridades francesas. Ela apresenta uma plataforma que reúne os principais "hotspots" de crimes ambientais na Amazônia.

Sem apoio do governo federal ou de iniciativas como o Fundo Amazônia, que aplicava verbas estrangeiras e foi paralisado na gestão Bolsonaro, a cúpula é ainda uma oportunidade para grupos da sociedade civil mostrarem resultados de ações para proteger os biomas e negociar parcerias com interlocutores de fora do País.

Ilona integra o grupo Uma Concertação pela Amazônia – que reúne mais de 200 líderes, como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga; o ex-ministro da Fazenda e diretor do Banco Safra Joaquim Levy; o fundador da Natura, Guilherme Leal; e o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito. Vale ainda citar o cineasta João Moreira Salles e a exministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira. "A sociedade brasileira chega à COP com essa maturidade, que nenhuma outra terá", diz Izabella. Para alguns setores, como o agronegócio, reparar danos à imagem do País é crucial para não perder clientes no futuro.

E, pela segunda vez, o Brazil Climate Action Hub, que reúne entidades da sociedade civil, terá espaço na COP para apresentar iniciativas e políticas públicas desenvolvidas no País. Um dos fundadores da Concertação, Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú, pondera que "a comunidade internacional, depois da era (Donald) Trump, relativizou o papel dos governos como negociadores".

Exemplo disso é o entrave ao regular o mercado internacional de crédito de carbono, um dos temas centrais da COP. Ambientalistas, empresários, mercado financeiro e gestores públicos esperam que o Brasil ajude a aparar arestas entre as nações e não crie empecilhos. Joaquim Levy não vai a Glasgow, mas espera que o livro de regras do Acordo de Paris seja concluído e se crie o mercado global de carbono. "Para mim, este deve ser o grande objetivo do Brasil."

<b>Polarização</b>

O desenvolvimento desse mercado também é uma expectativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e um dos itens listados em carta enviada ao governo pela entidade. Os outros pontos em que pede empenho são financiamento e transferência de tecnologia, além de planos de adaptação à mudança climática. Para a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg, o mercado vai se impor nessa questão. Estado à parte, diz ela, o que atrapalha é a polarização ideológica que se junta ao tema ambiental – no País e no exterior. "Estamos perdendo uma oportunidade (de protagonismo da economia verde). É questão de Estado, não de governo", afirma ela.

<b>Ciclo do baixo carbono pode ser tão bom quanto ciclos do ouro e do café</b>

Confira a entrevista com o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que integra, atualmente, o grupo "Uma Concentração pela Amazônia".

<b>Quais as perspectivas para a COP?</b>

O principal objetivo do Brasil é o reconhecimento, em um eventual mercado internacional, do valor da nossa contribuição para a redução de carbono. Desmatamento evitado, reflorestamento, carbono no solo, biocombustíveis, energias renováveis. E pode criar alianças. Adicionalidade da energia renovável, por exemplo, conversa bem com a intenção dos europeus em produzir hidrogênio. Só temos chance de sucesso se tiver proposta para o desmatamento, que tem mais emissões do que no resto da economia. Nos dá cacife para negociar com força a proteção do resto da nossa indústria. Todas essas negociações têm nível político e técnico. No político, a sociedade se mobilizou, empresas entenderam que desmatamento não tem vantagem, inclusive no agro. Do indígena à multinacional, todos se posicionaram. Não adianta, se a negociação avançar, ficar pra trás na parte técnica. Daí a importância de ter montado um time técnico na diplomacia. Glasgow é palco político? Claro, mas também tem negociação. Perder tempo com coisas que sabemos que não dão resultado significa nem estar na mesa, quanto mais ter autoridade.

<b>A sociedade civil organizada tomou a frente?</b>

Na democracia, é dali que têm de vir as ideias. O governo é executor. Um movimento importante foi que muitos setores, inclusive empresariais, perceberem que não prestar atenção ao desmatamento é um risco à economia. Outro é que se procura um novo modelo para a Amazônia – usamos um de 50 anos atrás, com alguns ajustes. Não tem grau de produtividade, distribuição de renda, traz vulnerabilidades e requer esforço para ter um modelo nos objetivos que a sociedade, especialmente a amazônica, esteja interessada.

<b>Qual o impulso para mudar o modelo econômico?</b>

Todos adoram falar de reformas microeconômicas, mas o conjunto de: Código Florestal, a lei de pagamento de serviços ambientais e eventual lei de mercado de carbono são uma megarreforma microeconômica. Cria incentivos de preço, regras de certificação, uma orientação que permite o setor privado e a sociedade tomar suas decisões. São três componentes fundamentais: resolver o desmatamento na Amazônia, estar atento a questões diplomáticas e negociações internacionais e entender que a transição é uma oportunidade maravilhosa de desenvolvimento. O ciclo do baixo carbono pode ser tão bom quanto o do ouro, do café. Com a vantagem que será muito mais inclusivo.

<b>Com promessa de cortar desmate, Brasil tenta driblar desconfiança</b>

A imagem de vilão ambiental afastou o presidente Jair Bolsonaro da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26), que começa neste domingo em Glasgow, na Escócia. Avesso à agenda verde, Bolsonaro rechaçou os apelos de líderes mundiais para participar do evento que tenta destravar o financiamento da preservação de florestas e ampliar os compromissos assumidos pelos países com a redução da emissão de gases de efeito estufa – ação necessária, segundo cientistas, para salvar os esforços previstos no Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura global em 1,5 ºC.

Integrantes do governo disseram ao Estadão que a estratégia de Bolsonaro é uma forma de evitar hostilidades. Em paralelo à reunião deliberativa política, a COP costuma ser palco para manifestação de milhares de ativistas ambientais vistos como inimigos por Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão chegou a dizer que todos iriam "jogar pedra" em Bolsonaro, caso fosse ao evento. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, escolhido como chefe da delegação brasileira pelo presidente, vai tentar calibrar um discurso que dê respostas às pressões e desconfianças internacionais com o atual governo.

Leite formalizará em documentos entregues na COP compromissos anunciados por Bolsonaro em foros multilaterais anteriores, mas há pouco de novo no cenário. Um deles é a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030 – originalmente apresentado em 2015 no mesmo palco climático pela ex-presidente Dilma Rousseff, esse objetivo havia sido abandonado. O outro é neutralizar as emissões de gases até 2050, prazo adotado pela maioria dos 197 países.

Na prática, o governo já havia sinalizado essa antecipação do prazo de neutralidade em dez anos, se recebesse contribuições bilionárias. Caso permanecesse a trabalhar com o cenário de 2060, o Brasil se isolaria ao lado de países de matriz energética muito mais suja, como Arábia Saudita e Bahrein, produtores de petróleo do Golfo Pérsico que recentemente aderiram ao prazo, e a China, maior poluidora.

<b>Pedalada</b>

Além desses dois compromissos, a serem incorporados à cota de contribuição determinada pelo Brasil, o governo Bolsonaro deve tentar minimizar a "pedalada climática", revisão de dados que motivou ação popular na Justiça. Os compromissos do Acordo de Paris têm como base as emissões de gases estufa praticadas em 2005 em cada País.

Originalmente, o Brasil se comprometeu a cortá-las em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Agora, o governo deve ceder a pressões de potências estrangeiras e elevar essa segunda etapa para 45% até 2030. Só que o aceno é insuficiente por causa da "pedalada" do ano passado, quando o governo atualizou os cálculos de emissões. Os dados atualizados mostraram que as emissões em 2005 foram maiores do que as apresentadas à ONU. Para compensá-las mantendo os compromissos originais, ambientalistas estimam que o Brasil deveria elevar a primeira fase de corte (2025) para 53% e a segunda fase de corte (2030) para o patamar de 58%.

O principal desafio do Brasil para atingir seus porcentuais é controlar o desmate, que nas declarações da COP costuma ser mencionado como emissões de gases ligadas ao "uso da terra". O ministro do Meio Ambiente deve levar novos números sobre o desmatamento dos últimos meses, mas os dados não serão suficientes para reverter a alta acumulada do atual governo.

Leite pretende ressaltar o reforço orçamentário e a autorização de concurso de mais 700 servidores para órgãos ambientais (Ibama e ICMBio), deficitários em pessoal. Para efeito de comparação, a Operação Verde Brasil, última abordagem para combate a crimes ambientais, contou com mais de 2,5 mil militares.

Formada por cerca de 100 integrantes, a delegação terá o desafio de devolver o Brasil à condição de país-chave e líder nas discussões climáticas. Na última edição, em Madri, a delegação foi liderada por Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, e travou negociações a respeito do mercado do carbono. O Brasil costuma bloquear novas cobranças e restrições ao "uso da terra", pois podem atingir o agronegócio.

Nas últimas semanas, autoridades britânicas como o primeiro-ministro Boris Johnson, anfitrião da COP-26, e o presidente da conferência, Alok Sharma, demonstraram preocupação com as dificuldades de negociações e com um novo fracasso em avançar no acordo das regras. Cientistas internacionais encaram com ceticismo a possibilidade de acordo sobre as regras de funcionamento do mercado de carbono.

À diplomacia caberá conduzir principalmente as intrincadas negociações sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, que dita as regras do mercado de carbono. O Brasil cobra que os demais países aceitem manter créditos a receber previstos em mecanismos do Protocolo de Kyoto, que seriam substituídos pelas regras do Acordo de Paris, e discute formas de contabilizar as ações de forma transparente para evitar a dupla contagem, ou seja, que as emissões sejam debitadas de quem vende um excedente e de que o compra.

<b>Avanço</b>

Diplomatas estrangeiros dizem que a troca de dois ministros críticos do "alarmismo climático", Salles e o ex-chanceler Ernesto Araújo, arejou as conversas, mas ainda aguardam resultados concretos. "O melhor que esse governo pode fazer é não atrapalhar", diz Márcio Astrini, do Observatório do Clima.

Reino Unido e Estados Unidos patrocinam esforços recentes para proteger florestas, e o Brasil sinalizou que assinará o acordo em elaboração. Um avanço pode destravar a relação com Washington, já que Bolsonaro e Joe Biden não conversaram.

Deve haver mais atritos com europeus, que desejam taxar produtos importados com maior pegada de carbono, o que o Brasil rejeita. Na prática, desde o início da gestão Bolsonaro o descontrole sobre a destruição das florestas bloqueou verbas bilionárias europeias destinadas ao Fundo Amazônia e barrou o avanço do acordo comercial Mercosul-União Europeia.

Os representantes europeus no Brasil cobraram mais compromissos para dar andamento ao acordo, que precisa ser ratificado pelos países – sem data para ocorrer. A recuperação de confiança entre as partes ainda não está próxima. "Ainda estamos longe dessa situação", disse o embaixador Ignacio Ybáñez, chefe da delegação em Brasília.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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