A enfermeira Jasmim Otero já se acostumou com a nova rotina. Há dois meses, todas as vezes que uma mulher chega ao consultório da unidade de saúde trazendo um teste de gravidez com resultado positivo, a primeira pergunta é: teve coceiras, manchas pelo corpo, febre? “Peso, alimentação, doenças de família não são mais prioridade. Agora o mais importante é saber se tiveram sintomas de zika”, diz.
A profissional trabalha em Comuneros, uma das áreas de maior risco para a doença em Cúcuta, capital do Departamento Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela, e cidade campeã em número de casos de zika na Colômbia – segundo país em número de casos da doença, atrás apenas do Brasil. “Pelo menos metade da população teve a infecção”, garante a enfermeira.
Nome e endereço são registrados. “Se elas faltam às consultas, um agente vai até a casa ver o que aconteceu”, conta. Quando os sintomas são recentes, exames para identificar a presença do vírus são feitos. Se as queixas são mais antigas, sangue é coletado e enviado para um banco, onde são armazenados materiais de todas as gestantes com queixas. A esperança é de que esse material seja útil tão logo um novo exame, capaz de identificar uma infecção ocorrida há mais tempo, esteja disponível.
Oportunidade. “Estamos acompanhando essas mulheres em tempo real”, afirma o diretor do Instituto Departamental de Saúde de Cúcuta, Juan Alberto Bitar. “Temos aqui uma oportunidade que o Brasil não teve.”
O esforço é para tentar coletar o máximo de informações para comprovar se a transmissão do zika da mãe para o bebê pode provocar microcefalia – como acreditam autoridades brasileiras. Por enquanto, estão sendo acompanhadas cerca de 7 mil gestantes colombianas que apresentaram sintomas do vírus. Só em Cúcuta são 1.117 casos – dos quais 119 foram confirmados laboratorialmente.
“Dados do Brasil indicam que pode haver uma associação entre zika e a má-formação. Mas isso não é suficiente para estabelecer a causalidade. É necessário esperar outros estudos”, afirmou ao Estado o vice-ministro de Saúde da Colômbia, Fernando Ruiz Gómez. “Vamos servir como um ponto de comparação com o Brasil. De lá, existem algumas deduções, hipóteses. Com esse acompanhamento na Colômbia, temos chances de encontrar respostas.”
Três estudos estão sendo feitos no país, em colaboração com o Centro de Controle de Doenças americano. Um para identificar a incidência da doença na população em geral, outro para a relação entre microcefalia e zika e um terceiro, sobre casos da síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune, tradicionalmente resultado de uma infecção por vírus e bactéria. Resultados preliminares dos trabalhos são esperados para o primeiro semestre de 2017.
Embora o governo colombiano tenha recomendado que mulheres adiassem planos de gravidez, usassem telas de proteção e repelentes para evitar picadas de mosquito, autoridades são cuidadosas ao falar sobre a relação direta com microcefalia.
Gómez, por exemplo, afirma que, até o momento, dos 11 casos de má-formação suspeitos de estarem relacionados com zika, dez já foram descartados e um ainda está em investigação. Um aborto foi feito, mas o vice-ministro afirma que outras deformações foram encontradas, não microcefalia.
Anteontem, porém, a revista científica Nature relatou três casos de más-formações que, segundo cientistas colombianos, já estariam ligados ao vírus zika. O detalhamento foi enviado a uma revista científica britânica.
O que explicaria então o aumento de registros? “No caso do Brasil, outros fatores podem estar relacionados”, disse o vice-ministro, que fala da possibilidade de subnotificação – seria um problema antigo agora relatado. Outro fator que poderia explicar o aumento de casos no Brasil, avalia, seriam causas ambientais, incluindo a interação com outras enfermidades, como chikungunya e dengue.
Divergência. Há, no entanto, quem pense diferente. Ricardo Montoya Gonzales, médico obstetra do Hospital Universitário Erasmo Meoz, de Cúcuta, avalia que o aumento de casos da má-formação entre bebês é uma questão de tempo. “Se o padrão do Brasil se repetir, o aumento começará a ser registrado depois de abril. É esse o tempo para que bebês infectados no primeiro trimestre de gestação comecem a nascer.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.