A diretora da Mostra, Renata de Almeida, disse que esta não seria uma edição da crise. “A Mostra vem muito forte este ano, apesar de tudo”. Verdade. A Mostra Internacional de Cinema é um dos grandes eventos culturais da cidade. Não vive fora do mundo e, portanto, sofre, como todos seus similares, as consequências de um momento muito difícil da economia. Apesar disso, revela resistência e flexibilidade suficientes para apresentar um belo cardápio nesta que é a sua 39ª edição.
De qualquer lado que se olhe, as atrações saltam à vista. Se a mostra encurtou, o número de filmes continua inabordável – 312 títulos, vindos de 62 países diferentes. De modo que os maratonistas já devem preparar o fôlego, enquanto os gourmets, que selecionam mais, precisam apurar os sentidos para selecionar os imperdíveis.
Alguns deles, por certo, vêm da pescaria realizada nos grandes festivais do mundo, Berlim, Cannes e Veneza, além de eventos similares de outros países. São filmes já “batizados” por prêmios, como Dheepan, de Jacques Audiard, contestada Palma de Ouro em Cannes (os Cahiers du Cinéma detestaram…). Ou o venezuelano Desde Allá, de Lorenzo Vigas, Leão de Ouro no Festival de Veneza. Ou o belíssimo A Terra e a Sombra, de Cezar Augusto Acevedo, vencedor do Cámera dOr em Cannes (para diretor estreante). Ou Son of Saul, de László Nemes, Grande Prêmio do Júri em Cannes e considerado a pedra no sapato do brasileiro Que Horas Ela Volta? na disputa do Oscar.
Entre os estrangeiros, devemos indicar duas atrações que vêm de Portugal. A primeira é As Mil e uma Noites, longa oceânico de Miguel Gomes (de Tabu), montado em forma de trilogia e que procura articular a grave crise econômica em que Portugal está metido desde 2008 com a forma narrativa do clássico da literatura árabe. Só Sherazade, e sua infinita capacidade de fabulação, para narrar o que acontece com Portugal, mas também com toda a Europa e o nosso mundo contemporâneo. Aliás, a descoberta de Sherazade é que só nos salvamos pela narração. Ela nos alivia e empresta algum sentido à nossa aventura pela Terra. Miguel Gomes vai por essa linha.
A outra atração que vem dos lados de Portugal é Visita ou Memórias e Confissões, que Manoel de Oliveira (1908-2015) deixou para ser visto apenas após a sua morte. Oliveira morreu com 106 anos e teve uma das carreiras mais impressionantes da história do cinema. É hora de vermos o que diz essa carta lacrada que legou à posteridade.
Há também a representação brasileira, que faz alguns anos só vem se encorpando na Mostra. Este ano são 55 novos longas-metragens, além de onze clássicos restaurados e mais três curtas-metragens. Entre as novidades, não teria dúvidas em apontar Para Minha Amada Morta, de Aly Muritiba, a grande surpresa do há pouco encerrado Festival de Brasília. Mas há uma variedade para contemplar os gostos mais variados, como o novo filme de Hector Babenco, Meu Amigo Hindu, que abre o festival na quinta, e Boi Neon, de Gabriel Mascaro, muito bem recebido no exterior.
Se o cinéfilo resolver prestar atenção mais à parte histórica da Mostra, terá à disposição 25 filmes restaurados pela The Film Foundation, dirigida por Martin Scorsese. Entre esses títulos restaurados, Limite, de Mario Peixoto, clássico da vanguarda brasileira. Também o italiano Mario Monicelli, que faria cem anos em 2015, será lembrado com mostra de cinco títulos restaurados, entre eles dois clássicos como A Grande Guerra e Os Eternos Desconhecidos. Ninguém fez comédias tristes como ele.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.