A Cemig vive um período de incertezas após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinar que a estatal mineira não tem direito a renovar a concessão de importantes ativos na área de geração. Sem as hidrelétricas de Jaguara, São Simão e Miranda, que juntas correspondem a aproximadamente um terço de sua capacidade instalada de geração, a Cemig precisará definir quais serão seus próximos passos. E essa escolha, segundo analistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, deve ter uma forte influência política.
Considerada a principal alternativa para que a Cemig consiga manter o controle dos ativos, a articulação política, contudo, alimenta incertezas e afasta investidores da estatal mineira. Desde quarta-feira, 1, quando o STJ concluiu o julgamento sobre a intenção da Cemig em garantir a renovação da concessão de Jaguara, as ações preferenciais já se desvalorizaram 12%.
O desempenho dos papéis mostra que os investidores não consideram, neste momento, que a Cemig terá êxito. Enquanto isso, os advogados da companhia se preparam para questionar a decisão do STJ e cogitam, inclusive, conduzir uma discussão jurídica no STF, a qual não deve ser concluída em um prazo inferior a um ou dois anos.
Ao mesmo tempo, a diretoria da Cemig deixa claro que negocia com a União alternativas para manter o controle dos ativos, em troca de assumir protagonismo em um ciclo de novos investimentos em geração elétrica. “Acredito que a Cemig buscará algum tipo de acordo no STF, ou tentará, politicamente, algum acordo com a União”, prevê o advogado Pierre Moreau, do Moreau Advogados.
Embora a possibilidade de a Cemig alcançar um acordo com o governo federal seja real, dado que o governador de Minas Gerais (controlador da Cemig), Fernando Pimentel, é aliado político da presidente Dilma Rousseff, o mercado trabalha neste momento com a expectativa de que a Cemig não conseguirá renovar a concessão das usinas nas condições desejadas. E, nesse cenário, a postura política da Cemig também pode ser preponderante para determinar o futuro da companhia.
“Para pensarmos em como ficará a Cemig sem as três usinas, precisamos saber qual será a postura do governo mineiro em relação a essa situação. Se uma empresa tem perda importante de receita, ela também precisa ter uma redução relevante de despesa. Mas não sabemos qual será a postura da nova diretoria”, afirma o analista da consultoria Lopes Filho, Alexandre Montes. O ajuste de despesas dependeria do corte de pessoas.
A preocupação do analista tem respaldo na situação enfrentada pela Eletrobras. A estatal federal, ao contrário da Cemig, aceitou as condições impostas pelo governo federal no processo de renovação das concessões. Manteve os ativos, mas viu a receita com a venda de energia cair substancialmente. Com isso, amargou prejuízos de R$ 6,9 bilhões em 2012, R$ 6,3 bilhões em 2013 e R$ 3 bilhões em 2014.
O impacto na Cemig também será expressivo. Estimativas do Itaú BBA e do JP Morgan sugerem que o balanço de 2015 da estatal mineira mostrará lucro líquido inferior a R$ 1 bilhão. No ano passado, a estatal reportou lucro de R$ 3,1 bilhões. O balanço já refletiria, dessa forma, o fim das concessões das usinas de Jaguara e São Simão. A concessão da hidrelétrica Miranda se encerra apenas no final de 2016.
“Neste momento essa empresa é uma incógnita do ponto de vista financeiro, já que ela depende de política e Justiça. O risco de errar o diagnóstico é bem grande”, pondera o analista-chefe da Gradual Investimentos, Daniel Marques.
Expansão
Embora descarte a possibilidade de não conseguir renovar a concessão das três usinas – a Cemig divulgou em maio passado dados e projeções futuras que incluíam tais operações -, a companhia já deu passos importantes para continuar a crescer.
Criada oficialmente em 2015, a partir da união de ativos da estatal mineira e da Vale, a Aliança Geração de Energia surge com a ambição de se tornar uma das maiores empresas de geração do País nos próximos anos. O movimento seria possível porque a empresa não está endividada, ao contrário da Cemig, e já nasce com faturamento potencial de R$ 1 bilhão no ano.
“A montagem da Aliança aponta a direção para a qual a Cemig caminha, no longo prazo, para tentar compensar a perda de receita. Mas, se a empresa será agressiva nos leilões ou não, ainda não é possível saber”, diz Montes, da Lopes Filho. “A empresa precisa ter responsabilidade com a taxa interna de retorno (TIR), mas ainda existem muitas dúvidas em relação à postura da administração atual”, complementou.
A Cemig poderia, por exemplo, participar da concorrência pelos ativos que vai deixar de operar em função do fim das concessões – são 17 usinas menores, além das três grandes hidrelétricas. Mas a rentabilidade desses ativos, cuja energia será disponibilizada no sistema de cotas, é bastante limitada quando comparada aos padrões atuais. Por isso, a disputa por novos projetos poderia garantir maior rentabilidade.
Preocupação
A desconfiança de Montes em relação à postura da administração atual tem origem ainda em declarações dadas por aliados de Pimentel durante as eleições para o governo de Minas Gerais. Integrantes da campanha do então candidato petista afirmaram que a Cemig deveria assumir uma postura mais pró-sociedade e menos pró-mercado, em resposta a um discurso mais pró-mercado do antigo governo do PSDB. Durante o processo eleitoral, as ações da Cemig chegaram a se desvalorizar quase 30%.
Após a eleição de Pimentel e a nomeação de Mauro Borges para a presidência da Cemig, o discurso mudou. “Temos compromisso com nossos consumidores e com os nossos acionistas. Assim será a gestão da nova diretoria da Cemig”, afirmou Borges semanas após assumir o cargo. O executivo também defendeu a continuidade da trajetória de crescimento da Cemig, estratégia que elevou a companhia ao posto de elétrica mais valiosa do País – hoje ela ocupa a terceira posição no ranking, atrás de Tractebel e CPFL Energia.
Para continuar a crescer, a Cemig depende do desfecho do impasse sobre as concessões, ao mesmo tempo em que precisará ter competência para participar do processo de consolidação no segmento de distribuição de energia. Aquisições de ativos nas áreas de transmissão e geração, e também a participação em grandes projetos hidrelétricos, são alternativas de crescimento para a estatal mineira, analisa o JP Morgan.