Semanas antes do pico esperado do novo coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde está com estoque zero de equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas, para distribuir a profissionais de saúde. A pasta aguarda a chegada de compras já fechadas e resultado de negociação com fornecedores do exterior. O governo federal aposta em plano de logística para, se for necessário, enviar aviões à China para buscar os insumos.
Até agora, já foram distribuídos 40 milhões de itens de proteção aos Estados. A expectativa é conseguir outros 720 milhões de produto, sendo 200 milhões de máscaras. O ministério afirma que os itens devem chegar em até 60 dias. Segundo secretários estaduais ouvidos pela reportagem, há regiões com mais e menos estoques, mas o ministério tem feito entregas até agora de equipamentos de proteção. Uma reclamação, no entanto, é o abastecimento de máscaras N95, essencial para profissionais de saúde por filtrar até 95% das partículas. Um pedido dos gestores do Sistema Único de Saúde é para usar aviões, até da FAB, para acelerar o envio dos produtos.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, procurou ontem justificar a dificuldade para adquirir equipamentos de proteção individual (EPIs) contra o novo coronavírus, sob a justificativa de que os Estados Unidos estariam enfrentando o mesmo problema. A afirmação foi uma maneira de minimizar as declarações dadas anteontem, quando Mandetta disse que os americanos mandaram 23 aviões cargueiros para a China, para buscar o material que adquiriram, comprometendo todos os demais pedidos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, é aliado do presidente Jair Bolsonaro. "Eles têm muita carência lá, nós temos muita carência aqui. O Brasil pode colaborar com eles com algumas coisas. Podemos organizar uma ampliação. Trazendo matéria-prima da China, a gente pode produzir itens, como é o caso das máscaras N95."
Como o jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> mostrou, representantes da indústria dizem já ter alertado o governo federal a apresentar logo a sua proposta ao mercado – senão, pode ficar para trás na corrida global por produtos. A indústria brasileira tem tentado aproveitar a queda de casos na China para importar de lá produtos hospitalares. "Claro que vamos disputar isso com Europa, EUA e outros países", disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios, Franco Pallamolla.
<b>Respiradores</b>
O governo fechou a compra de 15 mil respiradores do tipo "pulmonar microprocessado com capacidade de ventilar pacientes adultos e pediátricos", produto vital para tratar casos graves da covid-19. A aquisição custou R$ 1,014 bilhão e será fornecida pela empresa Santos-Produtos do Brasil (Macau). Mandetta ainda lembrou ontem que a China produz mais de 90% dos equipamentos de saúde do mundo, o que terá de ser reavaliado após a pandemia para garantir que haja maior distribuição. Epicentro inicial do novo coronavírus, ela ficou dois meses sem poder realizar as vendas.
"Há 15 dias atrás, a China falou que poderia voltar a vender para o mundo. Então, entrou demanda reprimida, excedente de países em situações epidêmicas e de outras países que precisaram adquirir. Por mais que (a China) produza, você tem momento muito intenso de ajuste de toda a produção e de toda logística. Às vezes você tem dinheiro para comprar, mas não tem avião para entregar. O mercado mudou", afirmou o ministro. O governo brasileiro já até fez um apelo à Índia para a liberação de ao menos 31,6 toneladas de ingredientes usados na fabricação de medicamentos.
Em ofícios obtidos pela reportagem, assinados na última semana, o secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, disse compreender o momento "atípico", mas pediu "atenção especial" do governo indiano para tentativas de importações de empresas brasileiras.
Endereçados ao ministro da Indústria e Comércio da Índia, Piyush Goyal, os ofícios são acompanhados por uma tabela com mais de 20 insumos farmacêuticos pedidos por empresas brasileiras desde setembro, que ainda estariam bloqueados.
No rol de produtos há o anti-inflamatório nimesulida e mais de 7,8 toneladas de pantoprazol, usado para reduzir acidez estomacal e contra sintomas de gastrite. O Brasil pede ainda liberação de produtos que estão sendo testados para a covid-19, como sulfato de hidroxicloroquina e a azitromicina – ainda sem eficácia comprovada.
Segundo integrantes da indústria, o volume de insumos farmacêuticos de que o Brasil pede a liberação é considerável, mas não chega a afetar a produção do País. A Índia restringiu a exportação de uma série de produtos em meio à pandemia da covid-19. No dia 25 o país proibiu a exportação da hidroxicloroquina Ao lado da China, trata-se de outro importante fornecedor de matéria-prima para fabricação de medicamentos no mundo. (Colaboraram André Borges e Anne Warth)