Acompanhando a cautela externa e especialmente a que antecede, no Brasil, o anúncio da PEC da Transição, o Ibovespa interrompeu série de dois ganhos após o tombo da última quinta-feira, quando se curvou ao aumento da percepção de risco fiscal. Hoje, o índice da B3 fechou em baixa de 2,58%, aos 110.243,33 pontos, bem mais perto da mínima (109.512,22) do que da máxima (113.473,39) da sessão, em que saiu de abertura aos 113.166,25 pontos. Reforçado, o giro financeiro foi a R$ 51,2 bilhões nesta quarta-feira de vencimento de opções sobre o índice. Na semana, o Ibovespa perde 1,79% e, no mês, 4,99%, com ganho no ano limitado agora a 5,17%.
A deterioração do Ibovespa começou a ganhar contornos ainda no início da tarde, quando o senador Paulo Rocha (PT-PA) indicou que, no texto que será entregue ao Senado hoje, às 19h, a PEC da Transição apenas excepcionalizará o Bolsa Família – no entanto, sem trazer valores, que serão detalhados na LOA. "Previsão é de valor atrelado à PEC de R$ 175 bilhões, mas isso não vai aparecer", disse. "A PEC não terá prazo, será processo de negociação. Queremos 4 anos", afirmou também Rocha.
De acordo com o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), integrante do governo de transição, a proposta não deve fixar prazo para que os recursos que financiam o Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil, sejam contabilizados fora da regra do teto de gastos. "Não vamos propor um ano ou quatro anos", disse Pimenta, para quem o programa de distribuição de renda deve ser tratado como uma política de Estado, que não fique suscetível à discussão orçamentária a cada um ou quatro anos. "PEC busca garantir que o Bolsa Família seja tratado como programa de Estado, permanente", afirmou Pimenta, para quem tal política não pode ser controlada pelo teto fiscal.
"O mercado entenderia e receberia bem o Bolsa Família fora do teto, desde que vigorasse apenas em 2023. Qualquer coisa fora disso, seja por prazo determinado ou não, cria um estresse, um ruído que se reflete em prêmios de risco na curva de juros, pela preocupação sobre o fiscal", diz Alexandre Brito, sócio da Finacap Investimentos. Ele ressalva que mesmo com o aumento da percepção de risco fiscal, há espaço para recuperação do Ibovespa, considerando que a exposição do investidor estrangeiro à Bolsa brasileira continua muito abaixo da média histórica e que, nos dois mandatos de Lula, período favorecido pelo ciclo de commodities, houve grande participação do fluxo externo.
"Nosso cenário-base ainda é de um governo pragmático, mesmo considerando os ruídos sobre aumento de gastos, principalmente na área social, o que inclui também habitação popular, com potencial para impacto fiscal. Mas o principal gatilho dependerá, de fato, de quem vier a sentar na cadeira da Fazenda. Houve muita especulação sobre nomes, sem sinal mais concreto. Quanto mais demorar, maior a incerteza: algo ruim mesmo que, ao fim, prevaleça um nome técnico", acrescenta Brito, que espera alguém com perfil político, negociador, com uma retaguarda de técnicos pró-mercado.
"Desde o discurso do Lula na última quinta-feira, criou-se incerteza em relação a questões fiscais, mas o adiamento da apresentação do texto (da PEC) para esta quarta-feira trouxe expectativa de uma negociação adicional, com um pouco mais de consenso sobre o que pode passar no Congresso, uma PEC possivelmente mais restrita, envolvendo somente o auxílio", diz Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos.
Na última quinta-feira, com a fala de Lula contrária à estabilidade fiscal, o Ibovespa registrou sua maior perda diária (-3,35%) em quase um ano, desde 26 de novembro de 2021 (-3,39%). Depois, na sexta e na segunda-feira seguinte, respectivamente, teve recuperação de 2,26% e 0,81%, antes do ajuste negativo deste pós-feriado da República.
Costa, da Monte Bravo, destaca também a expectativa para a definição de quem será o futuro ocupante do ministério da Fazenda, com preferência do mercado por um nome "razoável" que tenha credenciais para defender uma política de ajuste, que seja fiscalmente "correta do ponto de vista da dinâmica de dívida" para os próximos anos.
No início da tarde desta quarta-feira, a fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP27, no Egito, sem novidades, chegou a frustrar expectativa dos que consideravam que ele poderia aproveitar a oportunidade para fazer anúncios, o que não se confirmou.
"Hoje estamos vendo uma queda generalizada na Bolsa. O setor que cai menos, se é que se pode dizer assim, é o de materiais básicos, de novo, e o que está pior é o de dinâmica interna, inclusive o de utilities que tem uma previsibilidade de caixa", aponta Luiz Adriano Martinez, portfólio manager da Kilima Asset. "A explicação para isso é a incerteza fiscal, ainda. Não temos resposta de como é que vai ser o comportamento das contas públicas no próximo governo", ressalta o gestor.
Ante tamanha incerteza, apenas oito ações do Ibovespa conseguiram se descolar da correção desta quarta-feira e fechar o dia em alta, com destaque para Embraer (+9,94%), Bradespar (+2,16%) e CSN Mineração (+2,12%). Na ponta oposta, Hapvida (-10,94%), Americanas (-9,81%), Minerva (-9,27%), IRB (-8,51%), Locaweb (-8,10%) e Magazine Luiza (-8,01%).
O índice de consumo, que reúne ações com exposição à economia doméstica, fechou o dia em queda de 4,67%, enquanto o de materiais básicos, das ações de commodities, cedeu 0,73% na sessão. As ações e setores de maior liquidez e peso no Ibovespa caíram em bloco nesta quarta-feira, com destaque para o setor financeiro, onde as perdas chegaram a 3,16% (Banco do Brasil ON) no fechamento da sessão, à exceção de Bradesco PN (+0,33%). Petrobras ON e PN cederam, respectivamente, 1,11% e 1,99%, com Vale ON em baixa de 1,04%.
"Setores como varejo e aviação são mais sensíveis à oscilação da curva de juros e caem (hoje) com mais intensidade", observa Leandro De Checchi, analista da Clear Corretora. "Apesar de termos um valuation atrativo para o Ibovespa, o que poderia trazer valorização, o mercado segue pouco favorável aos ativos de risco na medida em que o risco fiscal ganha espaço. Com a agenda vazia, o mercado deve seguir atento a mais informações referentes ao equilíbrio fiscal e aos desdobramentos da PEC da Transição para, com isso, pautar a tomada de risco", acrescenta.
"O mercado lá fora também esteve negativo hoje, com as principais bolsas em baixa, nos Estados Unidos e na Europa. O petróleo também cedeu, e o varejo americano já mostra sinais dessa inflação alta por lá. Aqui, os juros futuros subiram mais, o que pode atrair interesse do gringo, o investidor de fora, nessas taxas altas, com a ideia de que o Brasil pode ter realmente um problema fiscal, dado que o novo governo pretende ampliar gastos em um momento de juros altos, em que as economias em todo o mundo não vão bem. Cobra-se então prêmio maior na medida em que o País quer gastar mais. Os R$ 175 bilhões fora do teto já se refletem na curva de juros", diz Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, que espera uma "desidratação" da PEC aos poucos, de forma a agradar a "gregos e troianos".