O "compromisso" do governo com a "responsabilidade fiscal", afirmado na hora do almoço pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contribuiu para que os ativos domésticos mantivessem ao longo da tarde a descompressão vista desde o começo desta quarta-feira. O ajuste no tom presidencial veio após dias de ataques reiterados à autonomia do Banco Central e ao nível da Selic, a taxa básica de juros – vale lembrar, mantida em 10,50% ao ano na reunião do Copom em junho com apoio, inclusive, dos quatro diretores indicados pelo governo para a autarquia.
Em dia iniciado com reunião do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com Lula no Palácio da Alvorada, a suavização da retórica presidencial – que havia lançado o dólar a R$ 5,70 na máxima de ontem – permitiu que a moeda americana acompanhasse hoje o sinal do exterior – em retração também frente a referências como euro, iene e libra, da cesta que compõe o índice DXY – e encerrasse em baixa de 1,70%, a R$ 5,5684. Na mínima, foi negociado a R$ 5,5410, em queda então na casa de 2%.
A curva de juros doméstica também cedeu, devolvendo parte dos prêmios que vinham se acumulando em paralelo à pressão no câmbio. E o Ibovespa, que vinha sustentando recuperação – ainda que tímida – a contrapelo do que se via no câmbio e nos contratos de DI, estendeu a retomada em 0,70% nesta quarta-feira, encerrando aos 125.661,89 pontos, no maior nível desde 21 de maio, então aos 127,4 mil pontos. Ainda assim, não conseguiu sustentar os 126 mil pontos, de boa parte da sessão.
Hoje, oscilou dos 124.786,64, mínima correspondente à abertura, até os 126.580,98 pontos, na máxima do dia, com giro a R$ 21,6 bilhões. Na semana e no mês, o índice da B3 sobe 1,42%, limitando a perda do ano a 6,35%.
O desempenho contou com forte apoio de Vale ON, a ação de maior peso individual no índice. Hoje, o papel subiu 1,99%, compensando em parte o ajuste negativo em Petrobras, com a ON da estatal em baixa de 2,07% (na mínima do dia no fechamento, a R$ 40,13) e a PN, de 1,74%. A sessão foi positiva para o setor financeiro, embora mais acomodado no fechamento, o que moderou o dinamismo do Ibovespa junto com o mergulho de Petrobras perto do fim da sessão. Entre as maiores instituições, destaque ainda para Itaú (PN +0,61%) e Banco do Brasil (ON +0,98%), além de Bradesco ON (+0,72%). Na ponta do Ibovespa, Yduqs (+7,21%), Vamos (+7,03%) e Carrefour (+6,41%). No lado oposto, Marfrig (-6,46%), JBS (-4,85%) e BRF (-3,64%).
Durante lançamento do Plano Safra no Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou nesta quarta-feira que "responsabilidade fiscal não são palavras, mas um compromisso deste governo desde 2003", em referência ao ano em que se iniciou seu primeiro mandato na Presidência da República.
"No governo, aplicamos o dinheiro necessário. Gastamos com educação e saúde no que for necessário, mas não jogamos dinheiro fora", disse também o presidente, em discurso sem referências a juros ou ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem vinha acusando de viés "político" na condução da autarquia. No evento, o presidente prometeu também "política econômica sem sobressaltos".
"O dia foi muito positivo, ajudado tanto pelo cenário internacional como pelo doméstico", observa Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research, chamando atenção para correlação que havia sido quebrada por ruídos fiscais que resultaram em cautela quanto aos ativos brasileiros. No meio da tarde, em dia de dados americanos abaixo do esperado, a ata do Fed – referente à mais recente reunião nos EUA – não resultou em mudança de sinal para os ativos, lá como aqui, com a curva de juros em declínio e índices de ações na maioria em alta na sessão.
"A curva de juros americana fechou, especialmente nos vértices mais longos, o que resultou em novas máximas históricas intradia para o S&P 500 e o Nasdaq. O Ibovespa foi ajudado pela descompressão nos juros futuros, e também pelo minério de ferro – que, junto com o petróleo, responde por quase 30% do índice considerando as empresas de ambos os setores na B3", diz Larissa. Hoje, o minério subiu 3,11% em Cingapura e 2,55% em Dalian (China), em alta pela sexta sessão seguida. O petróleo também avançou, em Londres e Nova York, embora o sinal não tenha sido acompanhado hoje por Petrobras, que ainda sobe cerca de 12% no ano.
"Foi um dia que o mercado estava precisando", acrescenta a analista, destacando o bom desempenho de empresas cíclicas, sensíveis a juros, como construtoras (Cyrela +1,38%, MRV +2,92%) e varejistas (Magazine Luiza +3,37%, Lojas Renner +2,22%).
"As falas de hoje foram apaziguadoras, o que contribui para que se capture, aqui, o otimismo que se vê lá fora, nos mercados internacionais – um alinhamento que não foi possível seguir nos últimos meses. O mercado brasileiro estava sedento por isso", diz a analista, destacando o tom "conciliador" adotado hoje em Brasília, que recoloca no centro do debate a necessidade de responsabilidade fiscal e de se respeitar o arcabouço.
"Depois de sequência importante de alta do dólar frente ao real, veio uma correção no câmbio. Mas a queda não aconteceu somente no Brasil, e reflete especialmente a resposta do mercado a uma série de dados econômicos que mostraram atividade mais fraca do que o esperado nos Estados Unidos, o que sugere trajetória descendente para a inflação americana", aponta Raquel Zucchi, head de Research da Investo.
Ela acrescenta que as leituras do dia reforçam a expectativa de que o Federal Reserve possa começar a cortar as taxas de juros ainda este ano. "Observamos esse movimento com cautela, na medida em que as expectativas de curto prazo são muito voláteis: mudam abruptamente conforme o sentimento do mercado."