A raiz dos Rolling Stones é funda e fincada em um terreno fértil ao sul de Chicago. Por lá, nos bairros de população prioritariamente negra, passaram Muddy Waters, Eddie Taylor, Willie Dixon, Howlin Wolf, entre tantos outros, em pequenas e esfumaçadas casas de shows. O cinza industrial da capital do Estado norte-americano de Illinois e a miséria nas periferias superpovoadas pelo contingente que chegava do sul dos Estados Unidos conferiram ao blues um caráter urbano. Nasceu o conhecido Chicago Blues, subgênero no qual estão as primeiras fontes bebidas por Mick Jagger e Keith Richards – Ron Wood e Charlie Watts, embora apreciadores do blues, têm outras referências primárias.
Blue & Lonesome, o mais novo disco dos Rolling Stones, é uma passagem direta para a origem de uma banda que, mais de 50 anos depois de soltar os primeiros acordes de blues em showzinhos para quase ninguém, ocupa um posto inalcançável dentro da hierarquia do rock – ao seu lado estão os Beatles, mas a inclusão de qualquer outro grupo será exagero.
E, diferentemente dos Beatles, os Stones estão ali, na ativa. E em forma. Se não colocam nas lojas nesta sexta-feira, 2, um álbum de inéditas, como era o plano inicial do quarteto inglês, quando passaram a se reunir no estúdioBritish Grove Studios, eles se dispuseram a se aventurar pela própria história.
“Esse disco é uma homenagem aos nossos blueseiros favoritos, às pessoas que nos fizeram querer tocar música”, disse Jagger, em entrevista cedida ao Estado pela gravadora Universal Music. “Foi essa a razão para montarmos uma banda. Sempre fomos devotos do blues. E ainda é isso que estamos fazendo”, conclui. Richards, mais bem-humorado, escancara a própria alegria ao registrar as 12 canções que integram Blue & Lonesome. “Então, 50 anos depois, enfim, fizemos um disco de blues.”
Não é a primeira vez que versões do gênero ganham vida com os Stones. Desde o disco de estreia, que leva o nome do grupo, I Just Want to Make Love to You, de Willie Dixon, mostrava que o blues havia atravessado o Atlântico e ganho uma versão rejuvenescida na Inglaterra. Foi com Jagger, Richards e companhia, por exemplo, que Little Red Rooster, outra de Dixon, liderou as paradas inglesas em 1964. “Nenhuma banda havia pego uma música de blues e colocado nesse espaço de destaque antes”, lembra Richards. “Tudo o que sempre quis dizer é: o disco é um sonho finalmente se tornando realidade.”
De fato, 54 anos depois de estrearem no palco do Marquee Club, em Londres, os Stones completam um longo ciclo de experimentações sonoras, de discos psicodélicos e outros pop, alguns dançantes, outros grandiosos. Fizeram de tudo – faltava justamente o álbum de um blues puro, sem firulas. “É uma experiência acompanhar os Stones revisitando esse material do início da carreira, depois de tantos anos de vivência”, diz Don Was, o produtor que acompanhou as gravações da banda e assina o disco. “Eles deram uma emoção totalmente diferente daquela de quando tinham 22 anos”, reconhece.
Em outubro de 2015, no estúdio, enquanto passavam horas na tentativa de desatar uma canção inédita, Richards virou-se para o companheiro de guitarra Wood. “Vamos tocar Blue and Lonesome?”, propôs. Todos toparam. “É sempre bom fazer um aquecimento no estúdio com algo que conhecemos.” Jagger completa: “Tínhamos algumas músicas inéditas, mas um dia desses cansamos dela, algo que fazemos com frequência. Fizemos um blues, depois outro, depois outro”.
O blues, enfim, veio naturalmente. “Algumas dessas coisas, eu não tocava desde o tempo em que tocávamos em clubes e é incrível”, garante Richards. “Eu não sei se preciso lembrar dessas músicas. Porque não preciso lembrar delas. Meus dedos vão se lembrando. Existe uma liberdade bonita nisso tudo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.