As razões foram distintas, mas crianças brasileiras enfrentaram uma crise de separação de seus parentes ao entrar nos EUA a partir do México em 2016, durante o governo Barack Obama. No primeiro semestre daquele ano, cerca de 100 menores foram enviados a abrigos nos EUA, número que supera os 49 que estão na mesma situação agora.
A diferença é que os casos anteriores foram espalhados em um período mais longo de tempo, enquanto os recentes se concentraram em pouco mais de um mês. Só em maio, 26 menores brasileiros foram separados de suas famílias e enviados a abrigos, segundo dados fornecidos pela embaixadora Luiza Lopes, diretora do Departamento Consular de Brasileiros no Exterior do Itamaraty. Outros 23 casos foram registrados desde o início do mês.
“A origem da crise de 2016 não foi a política de tolerância zero nem uma determinação para que houvesse a separação dos menores de seus pais”, observou a diplomata. A principal razão da prática era a aplicação de leis americanas destinadas ao combate do tráfico de pessoas e o aumento do rigor da fiscalização sobre a entrada de menores no país – depois da crise provocada pela chegada de milhares de crianças e adolescentes de países da América Central sem a companhia de adultos.
“As razões foram distintas, mas as consequências foram as mesmas”, afirmou Lopes. Entre os motivos para a separação estava a suspeita de que o adulto que acompanhava o menor não era seu pai ou mãe. A embaixadora se lembra de pelo menos um caso em que isso se comprovou verdadeiro. Os que estavam sozinhos também eram enviados para abrigos, assim como os que indicavam que pretendiam ficar nos EUA de maneira irregular.
Casos do tipo eram praticamente inexistentes antes de 2016, observou Lopes, mas estavam em ascensão. Em 2014, 11 menores foram enviados a abrigos, quase o dobro dos 6 que enfrentaram a mesma situação no ano anterior. O número subiu para 30, em 2015, e saltou para 100, no primeiro semestre de 2016. A partir da metade do ano, a curva foi descendente, até atingir 3 registros em um mês.
Mas a situação perdurou em 2017, no primeiro ano do governo Trump. Entre janeiro e dezembro, 74 menores brasileiros que cruzaram a fronteira a partir do México foram enviados a abrigos. “Esse número foi registrado no ano todo. Agora, nós tivemos 49 em um curto espaço de tempo”, ressaltou a embaixadora.
Em 2016, quase todos os brasileiros foram enviados para abrigos em Chicago, considerados os melhores do país. Mas, com a política de Trump, as instituições ficaram sobrecarregadas. Dos 49 brasileiros, 29 estão em Chicago. Os demais se dividem entre Arizona, Texas, Flórida e Nova York.
Como agora, as idades dos menores também variavam. Em junho de 2017, por exemplo, Lopes recebeu do consulado em Chicago o relato da chegada de três menores a um dos abrigos da cidade, com idades de 5, 9 e 16 anos.
Segundo a embaixadora, as separações que ocorreram antes da “tolerância zero” de Trump seguiam determinações legais muito claras e ocorriam em casos específicos. “Agora, os casos deixaram de ser limitados à questão de suspeita de tráfico e passaram a ser prática absolutamente generalizada.”
Com a “tolerância zero”, todos os que cruzam a fronteira de forma ilegal passaram a ser processados criminalmente sob acusação de violar as leis de imigração dos EUA. Antes, eles eram alvo de processos de deportação. Os que estavam com crianças e conseguiam comprovar a paternidade ou maternidade, além de afastar qualquer suspeita de maus-tratos, costumavam ser libertados com os filhos. Soltos, eles respondiam o processo em liberdade.
Muitos não retornavam para audiências e desapareciam do radar das autoridades. Agora, há vários casos de pessoas que não têm antecedentes criminais que estão sendo deportadas por ordens emitidas há anos nesses processos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.