Estadão

Com safra incerta, mercado vê acomodação a leve recuperação dos preços agrícolas

Após um ano marcado pela queda significativa dos preços das principais commodities agrícolas, com redução de até 50% nos preços da soja e do milho, 2024 tende a trazer mais estabilidade aos preços dos produtos agropecuários. Analistas de mercado ouvidos pelo <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) divergem sobre o direcionamento das cotações das commodities no próximo ano, de acomodação a leve recuperação nas cotações, mas são unânimes em indicar que não deve haver movimentos expressivos tanto para baixo quanto para cima. Parte da cautela deve-se aos impactos do El Niño, que ainda podem se refletir na produção (estimada em 312,3 milhões de toneladas de grãos pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab) e, consequentemente, na precificação dos produtos agrícolas. O consumo interno, dependente do crescimento econômico, ainda é uma incógnita na visão dos analistas.

Segundo o sócio-diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht, o cenário ainda está em aberto para os preços das commodities agrícolas, especialmente pelo início conturbado da safra de grãos. "Os problemas climáticos estão gerando insegurança em relação à oferta brasileira, sobretudo de soja, o que pode impulsionar ou pelo menos sustentar os preços de grãos. A depender da evolução da safra, teremos preços mais remuneradores de soja e também de milho safrinha. Se houver tendência de quebra de safra, poderemos ter uma elevação maior de preços. No momento, vemos que ainda é possível colher uma safra de mais de 300 milhões de toneladas, trabalhando safra de soja de 156 milhões de toneladas e entre 85 milhões e 90 milhões de toneladas de safra de milho, mas há muitas variáveis a serem definidas", afirmou Hausknecht.

O economista da E2 Economia Fábio Moraes engrossa o coro dos que veem 2024 como um ano de preços agropecuários sob controle. Lá fora, de acordo com ele, a oferta cresce de acordo com a demanda e o fiel da balança recairá sobre a colheita do Hemisfério Sul. Neste contexto, em situações normais, o Brasil se beneficiaria primeiro porque colhe sua safra antes. "Mas o clima seco no Centro-oeste tem nos levado a acreditar que a safra não será tão boa. Deverá ficar no zero a zero em relação ao ano passado", disse Moraes. Na E2 Economia, de acordo com ele, já se trabalhava com uma perspectiva de uma produção de grãos menor. Era dado como certo que, com o atraso do plantio da soja empurrando a semeadura do milho para frente, haveria uma redução de 10 a 15 milhões de toneladas do cereal na safra 2023/2024.

O equilíbrio poderá ser ditado pela Argentina, que deverá produzir de 130 a 132 milhões de toneladas de grãos em 2024, bem acima das 82 milhões de toneladas previstas para 2023. As estimativas citadas pelo economista da E2 Economia são do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e da Bolsa de Cereales. "Ou seja, uma queda de 35% seguida de uma elevação próxima de 58% de volume. 45 milhões de toneladas a menos em 2022 e agora 48 milhões de toneladas a mais", apontou Moraes.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) espera uma "recuperação tímida" nos preços dos grãos. "Vemos uma alta abaixo da vista em 2022, decorrente da pandemia. Para a soja, ainda temos uma safra boa, apesar de não ser tão grande quanto à última, enquanto para o milho temos perspectiva de queda entre 6% e 10% na produção, o que é relevante porque pareia outros alimentos, como proteínas", observou o pesquisador e economista do Ipea, José Ronaldo Souza Junior. Já o algodão tende a apresentar uma safra maior e sem reações na demanda, portanto sem expectativa de alta significativa nos preços.

Em contrapartida, a analista da Tendências Consultoria Gabriela Faria prevê arrefecimento dos preços dos grãos, em virtude da estimativa de uma safra de grãos 2023/24 ainda robusta, acima de 300 milhões de toneladas. "Prevemos uma queda de preços ainda maior para grãos, não de dois dígitos, abaixo de 10%, mas uma nova redução. A perspectiva é que os preços agrícolas acompanhem os preços menores dos insumos em 2024. A maior produção dos Estados Unidos deve gerar um melhor balanço entre oferta e demanda global, mas temos riscos como a oferta do Brasil e as definições relacionadas ao petróleo, que refletem no custo de produção", afirmou Faria.

Para ela, no segundo semestre de 2024, poderia haver uma alta após a consolidação da safra de verão, mas não no curto prazo. "Temos que considerar que países que estavam com problemas na produção neste ano se recuperaram e devem ter maior produção em 2024", observou. Essa conjuntura se reflete na pecuária, que deve seguir com "oferta forte" de animais e tendência de continuidade dos preços mais baixos, na opinião da economista. "A forte produção deve segurar os preços", pontuou.

Do lado do setor produtivo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avalia que os preços dos grãos tendem a se manter estáveis em 2024, sem espaço para aumento significativo das cotações. Isso se dá por dois fatores: consumo mais lento e uma produção ainda robusta na safra 2023/24, embora haja perdas nas lavouras, segundo o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi. "Os preços tendem a se manter estáveis tanto para soja quanto para milho, porque boa parte dos estoques internacionais está maior e o consumo não será tão firme com economia mundial em lento crescimento. A tendência é que não tenhamos recuperação dessas cadeias em virtude também da recuperação da produção na Argentina e nos Estados Unidos", afirmou Lucchi em coletiva de imprensa da confederação para apresentação das perspectivas para 2024, no início de dezembro.

Na pecuária bovina, Lucchi destacou que os abates ainda elevados e o pequeno crescimento no consumo interno e nas exportações da proteína vermelha podem vir a comprometer o aquecimento do mercado. Na avaliação dele, apesar dos riscos climáticos que podem comprometer parcela da produção 2023/24, a safra ainda será robusta. "É uma safra grande que não tende a impulsionar preços. Precisamos avaliar ainda como será o clima em dezembro e janeiro em termos de El Niño para avaliar como será a quebra e se pode haver reação de preço", relatou. "A produção ainda será grande e não a ponto de gerar pressão inflacionária", pontuou.

Na pecuária, Souza Junior considera que possa haver aumento dos preços da carne bovina se as exportações se normalizarem e se o movimento de retenção de fêmeas for intensificado. "O nível de abate ainda continua elevado em relação ao ano passado, mas, se as exportações derem vazão ao volume, podemos ter alta de preços; frangos e suínos reagem à proteína concorrente e, por isso, a tendência é de aumento de preços também no médio prazo", observou.

Ainda em relação à pecuária, o sócio-diretor da MB Agro espera o início de reversão do ciclo de oferta em 2024, mas de pequena movimentação. "A inversão do ciclo depende da retenção de fêmeas pelos pecuaristas, a qual acreditamos que começará somente no segundo semestre do ano que vem. Pode haver firmeza no mercado internacional, o que poderia sustentar os preços em níveis superiores, mas abaixo de 2021 e 2022. Para suínos e frangos, os preços dependerão do custo de ração, o que, por sua vez, está atrelado à oferta de milho", apontou.

Na contramão dos demais produtos agrícolas, as fontes citam o açúcar como a commodity "fora da curva" em relação aos preços no próximo ano. O adoçante tende a se valorizar em virtude da queda da produção na Tailândia e na Índia, importantes players internacionais, e eventuais limitações da oferta do Brasil por dificuldades no escoamento da produção. "A expectativa de redução mundial de oferta tende a favorecer o produtor brasileiro de cana-de-açúcar com preços superiores. É um problema de oferta em nível mundial que deve refletir nos preços nacionais, embora tenha boa produção, em virtude dos preços firmes do mercado externo", apontou Souza Junior. "Há demanda pelo açúcar brasileiro e cenário de oferta global limitado. Por isso, os preços não devem ceder tanto", completou Faria da Tendências.

Em relação às demais commodities softs, o cenário é difuso para café e suco de laranja, este último impulsionado pelos problemas recentes na quebra da produção em virtude das doenças que afetaram a safra de laranja. "Os preços para laranja continuam firmes dados os sérios problemas de greening nas lavouras paulistas", afirma Hausknecht. "Para o café, será ano de bienalidade positiva, de tendência de safra cheia e sem espaço, até o momento, para aumento de preços", acrescentou o pesquisador do Ipea.

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