Famoso no mundo inteiro por seus estudos dentro do campo da sociologia do trabalho, o italiano Domenico De Masi, autor de O Ócio Criativo, está confinado em casa, como milhares de pessoas, e está lendo, estudando e refletindo sobre o momento. Para ele, o coronavírus desnuda o desequilíbrio do planeta, mostra que podemos viver bem apesar de consumir menos e pensar mais, que podemos privilegiar o essencial e que a única coisa que pode nos ajudar é a cultura.
"Cada um pode aproveitar do ócio para crescer culturalmente: lendo, ouvindo música, escolhendo programas inteligentes na TV, dialogando pelo telefone ou pelo Skype com pessoas mais inteligentes e mais cultas", disse o sociólogo de 82 anos nesta entrevista ao jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> por e-mail.
<b>Em seu livro mais recente no Brasil, Uma Simples Revolução (Sextante), o senhor apontava novos rumos para uma sociedade perdida. Quando as coisas pareciam não poder piorar mais, elas pioraram. Para onde ir agora? O que fazer?</b>
A partir dos anos 80 do século passado, quando, com Reagan e a Thatcher, o neoliberalismo se tornou o pensamento único do Ocidente, houve uma dissociação entre os sociólogos e os economistas. Os economistas defendiam o mercado, baseados no entrechoque dos egoísmos, e difundiram a ideia de que o crescimento do Produto Interno Bruto pode ser infinito. Os sociólogos, por sua vez, afirmavam que o equilíbrio do planeta é extremamente instável e que nós o estamos colocando em risco. Há muitos anos, Kenneth Building, um dos pais da teoria geral dos sistemas, escreveu: "Os que acreditam possível o crescimento infinito em um mundo finito ou são loucos ou são economistas". E o sociólogo Serge Latouche prosseguiu afirmando: "O drama é que já somos todos mais ou menos economistas. Para onde vamos? Iremos colidir diretamente contra um muro. Estamos a bordo de um bólido que não tem piloto, nem marcha à ré nem freios, que irá se espatifar contra os limites do planeta". O que já aconteceu no mundo todo com o coronavírus demonstra que os sociólogos estavam certos e que o neoliberalismo poderá nos levar à destruição do planeta.
<b>Qual é o papel da introspecção e do ócio neste momento? Como podemos nos beneficiar disso? E como transformar o ócio depressivo em ócio criativo?</b>
Nós nos acostumamos a ter muito espaço à nossa disposição e pouco tempo para usufruir dele. Os nossos dias estavam repletos de mil compromissos, muitos dos quais inúteis e sem sentido. Agora, ao contrário, fechados em casa para nos defender do coronavírus, temos muito tempo, mas somos obrigados a permanecer em um espaço mínimo: exatamente como os presidiários. A única coisa que pode nos ajudar é a cultura: literária, musical, científica, religiosa, artística. Já em 1930, o grande economista Maynard Keynes imaginava que, no ano 2000, graças à tecnologia chegaríamos a trabalhar apenas 15 horas por semana e teríamos muito tempo livre. De que maneira ocupá-lo, como evitar o tédio, a droga, a violência? A depressão? Keynes também propunha: "Pela primeira vez desde a sua criação, o homem se encontrará diante do seu verdadeiro e constante problema: como empregar o tempo livre que a ciência e os juros compostos lhe proporcionaram para viver bem, de maneira agradável e com sabedoria?". E ele respondia que a única salvação está na cultura, porque a cultura exige tempo e aplicação, mas não precisa de espaço. Essa é a única maneira pela qual podemos transformar o ócio depressivo em ócio criativo. Evidentemente, quando falo em cultura não entendo sempre e somente cultura acadêmica, entendo, para cada um de nós, um grau de cultura mais elevado do que o que possuímos. Cada um pode aproveitar do ócio para crescer culturalmente: lendo, ouvindo música, escolhendo programas inteligentes na TV, dialogando pelo telefone ou pelo Skype com pessoas mais inteligentes e cultas.
<b>Em O Ócio Criativo, o senhor fala de um modelo no qual indivíduos e sociedades são educados para privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, o convívio, a amizade, o amor e as atividades lúdicas. É mais ou menos o que estamos vivendo – não fosse o fator da urgência de nos protegermos de um inimigo invisível?</b>
O coronavírus está nos ensinando a dispensar o supérfluo, a reconhecer e a privilegiar o essencial. Está nos ensinando que o consumismo é um vírus pior ainda, que nos faz perder o sentido do necessário para nos impor o supérfluo. Está nos ensinando que as necessidades radicais de introspecção, amizade, amor, jogo, beleza e criatividade são muito mais importantes do que as necessidades alienadas de poder e dinheiro. Está nos ensinando que, para satisfazer as necessidades radicais, não precisamos ter dinheiro, mas de sentido de humanidade.
<b>É possível que no fim desta pandemia estejamos ainda mais ociosos (especialmente pela falta de emprego). Como usar, então, o ócio e a criatividade a nosso favor, mesmo diante do desânimo e da depressão? É a criatividade que pode nos salvar e nos indicar caminhos? Criatividade é algo que se aprende?</b>
Os gênios são raros porque possuem uma grande imaginação e uma grande consistência. Entretanto, cada um de nós, sem ser um gênio, tem um bom grau de criatividade em algum setor específico: teórico ou prático. Precisamos descobrir em que setor somos mais criativos e cultivar este setor específico. Esta pandemia nos demonstrou que podemos viver bem apesar de consumirmos menos e refletirmos mais.
<b>O que esta crise histórica nos ensina? Sairemos dela como entramos? E como evitar um dano irreparável?</b>
Há muitos anos, Dominique Belpomme, especialista mundial em saúde ambiental, escreveu: "Há cinco cenários possíveis para o desaparecimento da humanidade: o suicídio violento do planeta, por exemplo uma guerra atômica; o surgimento de doenças graves, como uma pandemia infecciosa ou uma esterilidade que determine um declínio demográfico irreversível; o esgotamento dos recursos naturais; a destruição da biodiversidade; e, por fim, modificações extremas no nosso ambiente, como o desaparecimento do ozônio estratosférico e o agravamento do efeito estufa". Hoje, com o novo coronavírus, nós estamos experimentando uma pandemia infecciosa, mas, ao mesmo tempo, não paramos de destruir a biodiversidade, de esgotar os recursos naturais, de causar o desaparecimento do ozônio e agravar o efeito estufa. Tudo isso porque perseguimos um modelo de vida baseado no frenesi do excesso que o neoliberalismo legitima. A revista Nature publicou um artigo que demonstra a relação direta existente entre poluição do planeta e pandemia. As zonas mais poluídas (como na Itália, a região da Lombardia), são as que atraem muito mais o vírus, transmitindo-o mais rapidamente, e tornando-o mais invulnerável. Portanto, o vírus está nos ensinando a não poluir. Mas será que estamos aprendendo? (Tradução de Anna Capovilla)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>