O jornalista Fred (nome fictício) tem 32 anos, 1m72 de altura e, hoje, pesa 72 quilos. Seu índice de Massa Corporal (IMC), padrão internacional utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para calcular a obesidade, é de 24,3, ou seja, está no peso ideal. Mas ele tem uma doença que acomete cerca de 30% das pessoas obesas e entre 2% a 3,5% da população mundial, segundo estudos feitos nos EUA: o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica. Ou seja, Fred é um comedor compulsivo.
"Eu vejo a comida como uma droga. Passava horas do dia pensando em comer ou não comer. Isso me causava profundo sofrimento, pois tinha mil outras coisas para fazer. E quando ia à mesa, ficava duas horas comendo. Comia até passar mal e ter de ir ao hospital", contou à Revista Free São Paulo em seu apartamento, na região central de São Paulo, onde mora sozinho.
Fred se considera um doente incurável, mas que tem o problema sob controle graças ao trabalho do grupo Comedores Compulsivos Anônimos (CCA) que ele participa há cinco anos. O CCA mantém cinco grupos em atividades na Capital, que reúnem cerca de 50 pessoas. Entre seus integrantes, destaca-se um maior número de mulheres.
"Sempre vivi uma insanidade total, uma loucura, entre engordar e emagrecer. Meu peso oscilava entre 10 quilos a mais ou a menos no período de seis meses. O prazer de comer deu lugar ao sofrimento", contou.
A doença – cujos sintomas deram sinais na adolescência, entre 14 e 15 anos – passou a atingir sua vida social. Nosd finais de semana, Fred tinha medo de receber convites de amigos para ir a um churrasco, por exemplo. O sofrimento o fez gastar dinheiro com regimes, spas, injeções que prometiam emagrecimento e moderadores de apetite que nada resolveram. Vinham as crises e a balança falava mais alto. "Comprava balde de azeitonas e comia sozinho. Pela madrugada, assaltava a geladeira. No dia-a-dia, tudo que fazia, direcionava à comida", relembrou.
Hoje, o jornalista disse ter consciência de que é portador de uma doença seríssima e que, para ele, é incurável. "A cada dia estou me adaptando ao problema, mas sempre vigilante. Tem dia que acordo mal e isso me preocupa, pois a qualquer momento posso ter uma recaída de tantas outras que já tive. Cada hora que passo cumprindo meu plano alimentar, é uma vitória".
O "plano alimentar" a que Fred se refere é uma das tarefas dos Comedores Compulsivos Anônimos (www.comedorescompulsivos.com.br ou www.comedorescompulsivos.org.br). A irmandade, que existe no Brasil há 20 anos, segue os 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos (AA), mas adaptados ao transtorno alimentar.
Durante as reuniões semanais, os comedores compulsivos trocam depoimentos, fazem palestras e são apadrinhados por colegas mais antigos do grupo que acompanham o cumprimento do plano alimentar e, fora das reuniões, se tornam verdadeiros confidentes a qualquer hora do dia ou da noite. O único requisito para ser membro é o desejo de parar de comer compulsivamente.
O CCA não é um grupo religioso e, muito menos, aconselha sobre assuntos médicos. A irmandade acredita que comer por compulsão é uma doença – um problema progressivo – que não pode ser curada, mas que, como muitas outras enfermidades, pode ser mantida sobre controle.
Na crise, chega-se a comer 5 mil calorias
Enquanto o CCA diz que a compulsão alimentar é uma doença que não tem cura, a Unidade de Transtornos de Comportamento Alimentar do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo discorda e garante que ela pode ser curada. "O tratamento envolve acompanhamento psicológico em psicoterapia, acompanhamento nutricional que vai trabalhar a reeducação alimentar e o acompanhamento psiquiátrico, para possível ingerência de medicamentos", explicou o psiquiatra Alexandre Pinto.
Segundo o médico, a doença se manifesta, comumente, em momentos de estresse em pessoas que já possuem pré-disposição ao problema. "Geralmente são pacientes adultos, entre 20 e 30 anos de idade; uma fase que a pessoa está se expondo a novas situações, seja terminando a faculdade, primeiro emprego, casamento, primeiro filho, ou seja, vivendo situações que geram estresse".
Para o Programa de Transtornos Alimentares do HC, "é considerado comedor compulsivo a pessoa que tem crises pelo menos duas vezes por semana em período mínimo de seis meses". Estas pessoas, geralmente, comem escondidas, comem em excesso mesmo sem sentir fome, em curto espaço de tempo e mais rapidamente que o comum, e, além disso, sentem culpa e repulsa por si próprio.
Para a psicóloga Fátima Vasques, especialista em transtorno alimentar, "a comida é usada como remédio para esconder emoções que, em geral, os comedores compulsivos não sabem lidar" e, nos momentos de crise, podem chegar a comer cerca de 5 mil calorias.
Você é um comedor compulsivo?
1 – Você come quando não está com fome?
2 – Você faz "farras alimentares" continuamente, sem razão aparente?
3 – Você sente culpa e remorso depois de comer compulsivamente?
4 – Você gasta muito tempo comendo, ou pensando em comida?
5 – Você espera com prazer e antecipação pelo momento em que pode comer sozinho?
6 – Você planeja com antecedência essas comilanças secretas?
7 – Você come sensatamente em companhia de outras pessoas, compensando depois, quando está sozinho?
8 – Seu peso está afetando seu modo de viver?
9 – Você tentou fazer dieta por uma semana (ou mais), somente para abandoná-la perto de sua meta?
10 – Você fica ressentido quando outras pessoas lhe dizem para "usar um pouco de força de vontade" para parar de comer demais?
11 – Apesar das evidências em contrário, você continuou a afirmar que poderia fazer dieta "por si mesmo", quando quisesse?
12 – Você anseia desesperadamente comer em um determinado momento, dia ou noite, fora das horas das refeições?
13 – Você come para fugir de aborrecimentos ou dificuldades?
14 – Você já esteve em tratamento por obesidade ou problemas relacionados a alimentação?
15 – Seu comportamento alimentar faz você ou outras pessoas infelizes?