A comissão de juristas responsável pela atualização da Lei de Improbidade Administrativa se opõe à mudança que pode acabar com a punição ao nepotismo. A brecha foi aberta pela versão atual da proposta apresentada pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) e foi defendida nesta semana pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).
Formada por advogados, juízes, procuradores e presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell, a comissão foi responsável pela elaboração, em 2018, do texto do projeto hoje em discussão no Congresso. Após a proposta mudar radicalmente nas mãos do relator, o grupo encaminhou um parecer à Câmara, em novembro do ano passado, com nove sugestões.
A comissão defende as punições por atos que violem os princípios da administração pública e os deveres de "honestidade e imparcialidade", previstos no artigo 11 da Lei de Improbidade. Essa é a base legal utilizada pelo Ministério Público para processar políticos que nomearam parentes para cargos administrativos. O nepotismo é proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2008, por afrontar o princípio constitucional da impessoalidade.
O substitutivo de Zarattini acaba com as punições do artigo 11, restando apenas a possibilidade de condenar políticos e gestores públicos se o ato tiver causado prejuízo financeiro ou houver enriquecimento ilícito. Caso o texto seja aprovado como está, condutas como o nepotismo deixarão de resultar em sanções de improbidade, que podem levar à perda da função pública e dos direitos políticos.
Campbell, que já conversou com Zarattini, disse ao Estadão que "o nepotismo será, sim, punível" após a nova redação do texto, mas não entrou em detalhes. Outro integrante da comissão de juristas, o procurador regional da República Sergio Cruz Arenhart, afirmou que as sugestões novas feitas para o substitutivo "tentam justamente preservar a possibilidade de se punir condutas graves de imoralidade, como o nepotismo".
Em 2008, o STF editou uma súmula (documento que orienta a atuação da Justiça, em todo o País) proibindo a prática. A Corte, entretanto, não deixou claro se a restrição para contratar parentes deve valer também para cargos de natureza política, como os de ministros e secretários de Estado. Nos julgamentos do plenário tem prevalecido o parecer de que essas nomeações políticas são permitidas, exceto se houver fraude.
Desde dezembro, o presidente Jair Bolsonaro vem defendendo alterações na Lei de Improbidade Administrativa, e voltou a tocar no assunto anteontem, após reportagem do Estadão. "É muita burocracia", disse ele a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Segundo Bolsonaro, a atual legislação "engessa o prefeito". "Muitos aí respondem por 20 anos de improbidade administrativa", disse.
<b>Lira</b>
O colegiado também aponta problemas na proposta de mudança da lei que pode levar à impunidade de políticos condenados por improbidade administrativa, como o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). A Constituição prevê que o condenado por improbidade perca a função pública. O entendimento consolidado no STJ, ao longo dos 29 anos de vigência da lei, é pela perda do cargo que a autoridade estiver ocupando quando a ação judicial chegar ao fim.
Deputado estadual quando foi acusado de participar de esquema de desvio de dinheiro na Assembleia Legislativa de Alagoas – e com condenações em duas instâncias na ação que tratou desses fatos -, Lira, por exemplo, está sujeito a perder o atual mandato de deputado federal no fim do processo.
O texto em discussão na Câmara prevê que "a sanção de perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha (…) na época do cometimento da infração". Se for aprovado dessa forma, o político que praticou ato de improbidade perderia apenas os direitos políticos, ou seja, ficaria inelegível.
O procurador regional da República Sergio Cruz Arenhart disse ver "um grande retrocesso". "A redação sobre perda de cargo é demasiadamente vaga para entender a extensão da sanção e isso gera insegurança jurídica", argumentou.
Procurado, Zarattini afirmou que não concluiu o debate envolvendo nepotismo e o artigo da lei que hoje permite a punição da prática. "Vou apresentar uma complementação de voto, mas ainda não está fechada." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>