A decisão do governo federal de buscar o Supremo Tribunal Federal (STF) para rever a regra que limita o poder de voto na Eletrobras e os sinais de que o governo pode ir além desta primeira medida aumentaram a percepção de risco de investidores não apenas sobre a ex-estatal, como também em outras empresas do setor elétrico e de serviços públicos, em particular aquelas com perspectiva de privatização à vista, como Copel, Cemig e Sabesp, na visão de especialistas ouvidos pela reportagem.
As ações da Eletrobrás tiveram baixa de 1,71% a ON e 1,74% a PNB, enquanto Copel ON perdeu até mais, 2%, Cemig PN baixou 0,25%, na contramão do principal índice da Bolsa, o Ibovespa, que subiu 0,85%. "A mola mestra do setor elétrico, que permite confiabilidade, por ser um setor que demanda investimento maciço, é a segurança jurídica, é isso que permite atração perene e contínua de investimentos; o que preocupa ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade é que, embora ela não questione a privatização, discute um critério que foi aprovado pelo Congresso Nacional e pelo TCU Tribunal de Contas da União – e o TCU fez análise extremamente criteriosa e foi extremamente rígido com relação ao tema", diz Gustavo de Marchi, consultor da FGV Energia e vice-presidente da comissão de energia da OAB.
Ele salienta que os investidores e o setor elétrico já tinham assimilado a regra, que também foi usada anteriormente em outras privatizações, como no caso da Vale. Por isso, o questionamento gera preocupação. "Outros processos semelhantes, vide caso da Copel, da Cemig – que esta em fase mais incipiente -, certamente seriam moldados dentro das diretrizes que foram consideradas no modelo da Eletrobras, então haverá um impacto direto nesses processos, pelo menos em revisitar o modelo que estava sendo desenhado para essas duas companhias", diz. Ele também não descarta impactos em outros setores da infraestrutura, com destaque para o saneamento, que também vem passando por vários processos de privatização e capitalização.
Na percepção de um profissional do mercado que acompanhou de perto a privatização da Eletrobras, caso o STF conceda a liminar pedida pelo governo suspendendo a limitação de 10% e permitindo o voto em linha com sua efetiva participação acionária, da ordem de 43%, as estatais estaduais não conseguirão realizar o processo de privatização.
"Se houver liminar, Copel e Sabesp estão em xeque" disse a fonte, que participa esta semana de evento com investidores em Nova York e disse que os participantes estão estarrecidos com o movimento do governo federal, justamente em um momento em que as duas estatais estaduais já buscam atrair capital para as futuras operações, hoje em fase preparatória.
O advogado André Edelstein, sócio do escritório Edelstein Advogados, também considera que a ação do governo pode afetar outras privatizações. "Quando tem processo que envolve capital intensivo, estabilidade das regras e segurança são chaves na decisão de investimento. Eventualmente, o processo da Copel pode perder atratividade considerando o precedente com a maior empresa elétrica do Brasil. Embora na Copel estejamos falando de entes diferentes porque é uma companhia estadual, o antecedente que não pode ser ignorado", diz.
O sócio do escritório Castro Barros Advogado Paulo Henrique Dantas considerou que a ADI funciona como um "recado para o mercado de que as privatizações podem ser revistas", sejam as que já saíram do papel, caso da Eletrobras, sejam as que vinham sendo planejadas para ocorrer nos próximos anos e meses. "A revisão da Eletrobras é mais complexa porque teve mudança na lei para permitir a privatização. teve processo para que ocorresse e, uma vez que foi questionado à época e acabou acontecendo, pode dar sinal contraditório ao mercado para as que estão por vir e influenciar na forma e se elas vão ocorrer", disse.
Com visão diferente, a sócia da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest, Rosi Costa Barros, considera que "ainda é cedo" para repercussões da ADI em outras empresas ou investimentos do setor elétrico. "A Cemig e a Copel, por exemplo, têm a liberdade de fazer a privatização como entenderem mais eficiente e podem usar esse modelo perfeitamente", disse a advogada, lembrando que se trata de estatais estaduais.
Ela classificou a ADI como um movimento voltado especificamente para Eletrobras, cuja privatização está na mira do governo desde a campanha. Ainda assim, considera que a ação reforça sentimento de insegurança jurídica para o investidor, embora lembre que outras decisões, inclusive por parte do regulador, afetam a atratividade em particular do capital estrangeiro. "Essa ação da Eletrobras é só mais um exemplo para abalar a segurança jurídica, mas não é decisivo, afeta a segurança de forma macro, assim como outras medidas do regulador", disse.
<b>Argumentos
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Embora De Marchi considere que existe legitimidade do governo em querer rever se houve inconstitucionalidade, De Marchi defende que caberá ao STF sopesar todos os pontos, inclusive o ponto de vista da segurança jurídica, e a eventual decisão judicial terá de ser "altamente justificada e fundamentada. "Se não, vamos ter uma afetação não só nos modelos de privatização, mas também nos modelos que já foram consubstanciados", disse.
Para Edelstein, a argumentação apresentada pela Advocacia Geral da União (AGU) é frágil, e os contra argumentos são mais robustos para manter a validade de todo o processo. "Eles falam de algumas ofensas ao direito de propriedade, moralidade, razoabilidade, e todos esses argumentos invocados na ação são justamente os que reforçam a validade do processo, a validade de atingir o que participação. Privatização foi decisão política do Estado brasileiro. se depois não agradou, se o Estado se arrependeu, não cabe buscar reversão através de outras vias através de argumentos frágeis", disse.
O sócio do Mattos Filho da área de Mercado de Capitais, Jean Arakawa, salientou que o processo de privatização da Eletrobras todo foi efetivamente aprovado pelo Congresso Nacional com o escrutínio do TCU, enquanto a limitação de voto questionada pela União está na lei das SAs e foi um movimento parecido com o adotado com a migração da Embraer para o Novo Mercado. "A argumentação é de que é danoso para a União, mas foi o modelo da desestatização", diz, considerando a ação como uma tentativa de se retomar o controle da companhia.
Para ele, existe a expectativa de que os contratos sejam respeitados. "Foi um compromisso do Estado brasileiro e ter reversão vai causar insegurança e ceticismo em relação à interação com companhias que tenham investimentos e controle da União.
"A tendência no STF é manter as decisões, não vejo muito espaço pra rever a privatização da forma como foi. A argumentação pode ser aceita por ser questão procedimental, mas o resultado seria a manutenção do processo de desestatização. Vai ter que questionar o processo como um todo e que seguiu todos os ritos necessários, isso deveria ter sido feito na época que estava ocorrendo, a não se que surja algo relevante que não vejo no momento", opinou Dantas.