É a terceira vez em cinco anos que a oposição venezuelana sai às ruas contra o presidente Nicolás Maduro. Em 2014 e 2017, após repressão e dezenas de mortes nas ruas, o chavismo conseguiu debelar as manifestações e desarticular a força política da oposição. Desta vez, sob nova liderança, a Mesa da Unidade Democrática (MUD) se reorganizou interna e externamente para tentar tirar o chavismo do poder. Mas como e por que isso está acontecendo agora? E quais as chances de, desta vez, a oposição sair vitoriosa?
Depois dos protestos de 2017, convocados para pressionar pela realização de um referendo revogatório do mandato de Maduro e que deixaram 165 mortos, a oposição ficou bastante enfraquecida e dividida. Os partidos que compõem a MUD – que nunca foram coesos – se dividiram sob qual rumo tomar depois que Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para substituir, na prática, o Parlamento de maioria opositora.
Fortalecido pela desmobilização opositora, o chavismo ampliou a perseguição a líderes da MUD. Alguns, como Julio Borges e Antonio Ledezma e David Smolansky, deixaram a Venezuela. Leopoldo López seguiu preso. Henrique Capriles perdeu os direitos políticos.
Agravamento da crise econômica
Ao mesmo tempo, no campo econômico, a crise se agravou com a imposição de sanções americanas às fontes de financiamento da Venezuela, o que, na prática, dificultou a exportação de petróleo e o refinanciamento e pagamento da dívida externa. Com isso, a hiperinflação saiu de controle, chegando em 2018 a 1 milhão por cento, segundo o FMI.
A escassez de alimentos e remédios ficou mais grave e se somou à deterioração da infraestrutura de serviços básicos, como água, luz e gás. Sem dinheiro em caixa para quase nada, o chavismo deixou às moscas a manutenção das empresas estatais que cuidam desses fornecimentos.
O maior problema diário dos venezuelanos se transformou em comer. Segundo a FAO, a fome no país triplicou entre 2016 e 2018. Com dificuldade de ter dinheiro para comprar alimentos cada vez mais escassos, o governo criou uma alternativa: o Carnê de la Pátria (Clap).
Documento universal, usado para retirada de alimentos de cesta básica importados de países como a Turquia, o Clap também é usado para registrar eleitores em processos eleitorais, o que, segundo a oposição, configura um mecanismo de fraude eleitoral.
Dividida, MUD vê novas lideranças surgirem
Ao entrar em 2018, Maduro decidiu antecipar as eleições para o primeiro semestre, temendo que o agravamento da crise pudesse deteriorar ainda mais seu apoio nas bases chavistas. Com isso, o governo conseguiu dividir a MUD. Enquanto a maioria dos partidos optou por boicotar a votação – caso de Capriles, López e Maria Corina Machado- a oposição menos radical, do ex-presidente da Assembleia Nacional Henry Ramos Allup, e do chavista dissidente Henri Falcón optaram por participar do processo. Maduro foi reeleito em maio.
Na virada do ano, com as principais lideranças opositoras presas ou no exílio, coube a um nome desconhecido do grande público assumir o comando da Assembleia Nacional – que, até então continua existindo formalmente, mas sem poderes reais. Juan Guaidó, de 35 anos, é deputado do Voluntad Popular, partido de López. Coube a ele liderar um novo plano, gestado, segundo analistas, tanto fora quanto dentro da Venezuela.
“Enquanto a oposição dentro da Venezuela é mais jovem e tenta encontrar canais para uma transição, a que está fora busca apoio internacional contra o chavismo”, explica Luis Vicente León, do Instituto Datanalisis.
Dentro da Venezuela, Guaidó mudou o discurso tradicional dos opositores tradicionais, centrado no antagonismo ao chavismo. Falou em transição pacífica e ofereceu anistia a chavistas descontentes com Maduro, tanto no Exército quanto na burocracia estatal. Com a crise, principalmente o baixo oficialato e funcionários de menor poder aquisitivo passaram a sofrer com a escassez e a falta de serviços básicos.
Crise afeta as bases chavistas
Além disso, como nota o especialista em Venezuela do Washington Office on Latin American Affairs, David Smilde, a população tradicionalmente chavista começou a sentir para valer a crise. Não tanto pela falta de alimentos, subsidiada pelo Clap, mas com os cortes quase diários de luz, gás e água.
“O grande desafio de Guaidó é unir essa parcela da população à massa de classe média que tradicionalmente marcha com a oposição”, diz Smilde.