Mundo das Palavras

Como se organiza uma descrição

Se juntarmos de modo completamente casual um grupo de palavras não conseguiremos com elas atingir nenhum dos objetivos que buscamos, quando nos comunicamos verbalmente. Não conseguiremos contar uma história, não conseguiremos convencer nosso interlocutor a aceitar um ponto de vista nosso, não conseguiremos fazê-lo visualizar mentalmente uma pessoa ou um objeto que queiramos descrever. Para conseguirmos obter qualquer um destes três resultados é necessário que não usemos palavras soltas, mas organizadas.


Ao mesmo tempo, o modo como organizamos as palavras que usamos nos leva a empregar elementos facilmente identificáveis como próprios de determinada estrutura textual. Isto é, facilmente, nas situações nas quais criamos textos narrativos ou dissertativos. Ninguém acostumado a observar as formas de expressão verbal empregadas pelas pessoas no convívio diário delas terá dificuldade de perceber que determinado texto – oral ou escrito – contém os elementos da estrutura narrativa, como personagens e planos de tempo e espaço. Ou os elementos da estrutura dissertativa, como o tópico frasal – o trecho do texto onde está o ponto de vista, a “tese”, de seu autor -, as fundamentações e a conclusão.


Já no caso dos textos usados para descrever surge uma complicação porque quando narramos uma história ou defendemos um ponto de vista também fazemos uso de descrições. Isto significaria que a descrição não possui uma estrutura, uma maneira própria de se organizar, composta de elementos que lhe sejam específicos? Esta questão foi enfrentada por Elisa Guimarães no livro “A articulação do texto”. A autora, a fim de tornar evidente as dimensões próprias da forma como o texto descritivo se articula, lembrou da teoria de um estudioso francês, Phillipe Hamon. Para ele toda descrição contém elementos encerrados em três categorias: 1ª) a de um tema-chave – por exemplo, “a sala de aula” -; 2ª) a dos sub-temas – por exemplo, as carteiras onde sentam os alunos, o quadro onde a professora escreve, janelas, portas, teto, piso –; 3ª) a das “expansões predicativas”, isto é, a das atribuições de qualidades ou ações aos subtemas.


Para entendermos como funcionam as “expansões predicativas” tomemos, como exemplo, o subtema “as carteiras onde sentem os alunos”. Podemos atribuir a elas diversas qualidades. Ao dizermos, por exemplo: “as carteiras são confortáveis”, ou “as carteiras são antigas”, ou ainda “as carteiras são frágeis”.  Terminamos produzindo o texto descritivo sobre “a sala de aula”, se repetirmos este procedimento em relação a todos os demais subtemas citados. 


Há ainda um último comentário a ser feito sobre este assunto. Assim como existem trechos descritivos tanto em textos narrativos como em dissertativos, também existem trechos narrativos em textos dissertativos. Digamos que alguém quer defender o ponto de vista de que determinada pessoa é mal-humorada. Este objetivo claramente dissertativo pode ser buscado com um trecho de texto elaborado desta maneira: “Fulano é assim: chega em casa à noite e encontra tudo limpo e bem arrumado, mas não  pára de reclamar a propósito de qualquer bobagem”.


Conclusão: dificilmente um texto é elaborado apenas com os elementos próprios de um modo de organização. Com freqüência, ele é apenas preponderantemente narrativo, dissertativo ou descritivo.    


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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