Mundo das Palavras

Complexo de vira-lata, alastrado

Os mineiros de Araxá sentem orgulho da fonte de águas sulfurosas de sua cidade. Com razão. Logo depois de  construída, em 1948, a fonte foi considerada como um dos mais belos trabalhos de Arquitetura, realizado em todo o mundo, naquele ano, pelo Londres Architecture Journal. Que a exibiu em suas páginas. Assim como outro veículo especializado de Londres, a Architectural Forum.
Semelhante sentimento os cariocas também puderam cultivar, no mesmo período,  quando a revista parisiense “L’Architecture D’Aujourd’Hui” estampou, em sua capa, o Jockey Clube do Rio de Janeiro.
 
As duas obras – a fonte e o clube – foram projetadas pelo brasileiro Francisco de Paula Bolonha, então, um jovem arquiteto de 25 anos de idade. 
 
Seis anos depois, Francisco estava definitivamente consagrado entre seus colegas arquitetos. Tinha recebido a Medalha de Prata, do Salão Nacional de Artes Modernas, àquela altura, a mais importante exposição de Arquitetura do Brasil. E convivia profissionalmente com grandes artistas do Brasil. Alguns dos quais se preparavam, em Cataguases, Minas Gerais, para construir Brasília, inclusive Oscar Niemeyer. 
 
Nesta outra cidade mineira, Francisco de Paula levantou o Hospital Maternidade. E, mais tarde, o Monumento a José Inácio Peixoto. Com as colaborações de artistas da envergadura de Bruno Giorgi, futuro escultor de "Os Candangos", símbolo de Brasília. E, de Cândido Portinari, um dos maiores pintores brasileiros do século XX, criador do painel "Guerra e Paz", instalado na sede da ONU em Nova Iorque em 1956. 
 
Pouco depois, Francisco preparou a Escola Joseph Bloch, do Rio de Janeiro, inventando nela um sistema especial de iluminação e ventilação. E uma década mais tarde, projetou a sede da Companhia Estadual de Telefone da Guanabara. Por este trabalho, ganhou uma bolsa de estudos de dois anos em Paris – o prêmio mais cobiçado do Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro. 
 
Na volta ao País, Francisco passou a se dedicar a uma obra religiosa, o Mosteiro dos Beneditinos, de Belo Horizonte. Com a qual se ocupou por meio século.
 
O talentoso arquiteto morreu em 2006. Tinha 83 anos. Sobre ele diz, hoje, a Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: é um “representante ilustre da Arquitetura Moderna Brasileira”. 
 
Natural de Belém do Pará, em sua cidade natal, Francisco de Paula construiu nela uma única obra. O Monumento a Lauro Sodré, em 1959. Também nesta obra, contou com a colaboração de Bruno Giorgi. 
 
Seria natural que este monumento se mantivesse como o trabalho de Francisco de Paula melhor preservado. Se o Brasil não fosse tão desconcentante como é, às vezes. Afinal, ele havia dado motivos de orgulho a mineiros e cariocas. Mas, maiores motivos deu à sua cidade natal, ao longo de sua carreira brilhante.  No entanto, por descaso do prefeito da capital do Pará, vândalos destruíram boa parte daquele monumento. E duas das esculturas criadas por Bruno Giogi foram roubadas. Tinham o mesmo tamanho da única que restou e pode ser vista na imagem que acompanha este texto. 
 
Diante da incúria do prefeito, igualmente natural seria que os eleitores de Belém o repudiassem. Mas, isto não ocorreu. Ao contrário, há poucos dias, ele foi reeleito. Por mais quatro anos, portanto, os bens culturais-arquitetônicos da cidade, provavelmente, vão ficar submetidos ao mesmo desleixo que atingiu o monumento erigido por Francisco de Paula. 
 
Isto já seria desconcertante, se tivesse acontecido somente em Belém. Infelizmente, porém, escolhas tão bizarras como a feita pelos eleitores de lá se repetiram, nas últimas eleições, em muitas outras cidades do País. Parece que se deu um alastramento daquele comportamento visto por o dramaturgo Nelson Rodrigues no  Rio de Janeiro e em outros lugares, há quase meio século, como revelador da alma de muitos brasileiros. Ao qual ele chamou de “complexo de vira-lata”.
 

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